Puta, fudeu, se apaixonou! Ele vinha se esquivando há alguns anos, desde quando terminou um namoro-médio-prazo. A vida sossegada, o sexo rápido, sem vínculos até que lhe caia bem. Não tinha dor de cabeça alguma, horário marcado com ninguém e quando queria gozar, pegava o celular e rápido desenrolava o problema. Uma vida adulta- classe-média. Nada demais.
Desviando de seu muro bobo, que o impedia de gostar, ele não percebeu quando a guarda baixou e um instalo explodiu em seus ouvidos. Porra, se apaixonou da maneira mais tosca e mais bonita que existe: sem reservas. E assim sofreu por alguns dias. Pelo menos, ser adulto serve pra alguma coisa: diminuir os dias de sofrimento por uma paixão que não vingou.
Sua paixão foi tipo miojo: simples, consistente e dando aquela sensação de saciedade. Mas que na vida real, a gente sabe ser tudo mentira. Se você não obedece a todas as regras, o miojo queima ou fica aguado. Uma merda. Se você não obedece a todas as regras, a paixão te faz cometer bobagens, dizer verdades sem tábua para se segurar num mar agitado. Palavras soltas, que podem machucar se não medidas.
Ele estava lá trabalhando em algo novo, um projeto meio sujo, meio esnobe, e de repente teve que lidar com algumas informações novas, pessoas novas circulando em sua vida. Fez tudo como deveria ter feito, deu o melhor dentro das possibilidades e assim se viu conectado à outra pessoa, em estado bruto, sem pensar em gostar de alguém, se tocou de que estava gostando.
Quando a gente se apaixona, sendo adulto, aquela sensação de não ter paz interna e externa tona-se um estímulo. Diferente de quando somos jovens, quando a paixão vira oxigênio. Quando mais velhos, no máximo, a paixão tem aquela sensação de ter bebido quatro Heinekens (tontura com gosto amargo de mato verde na boa). O problema é que às vezes é preciso se apaixonar para se saber vivo. E foi por isso que ele pirou durante alguns dias.
A paixão dele nasceu da convivência e do respeito mútuo, o que não significa que o outro, o objeto em si, se apaixonou por ele. Mas quem disse que paixão precisa de sentido duplo. Basta uma estrada em direção a um monte de tolices e pronto: a pessoa se apaixona, fudeu toda a segurança de vida, e se vê enlouquecendo milimetricamente. Só rindo e bebendo para aguentar.
Ele preferiu manter a classe, a pouca classe que lhe restava, e não contou a novidade pra ninguém, logo de cara. Preferiu abafar a sensação de desconforto que a paixão, em adultos, proporciona. Queria estar perto do objeto daquele sentimento, mas, por questões da vida não seria assim tão fácil. A relação de amizade que tinha nascido rápido, tinha dado vazão a algo bacana, sobre todas as coisas, com segredos e confissões de vida. Um quase-amor que não iria ser quebrado por ele, só porque inventou de se apaixonar.
Os adultos não se apaixonam pelo olhar. É certo que esta “categoria de ser humano” se apaixona pelo ouvido. Escutando o outro, desvendando o outro através de suas ações e gestos. Calma, calma, não estou citando aqui a coisa sexual, de olhar alguém e querer devorar a pessoa. A paixão, nos adultos, necessita ser alimentada de ideias em execução. Tem um ponto de razão naquilo tudo, mas que vai se misturando entre as horas juntos e quando a gente para, para pensar, o navio já partiu. E o que fica? Uma âncora puxando nossos pés pra baixo, fazendo afundar aquele ser humano de rocha, instransponível, que achávamos ser forte. Coitado!
Ele se apaixonou assim: dia após dia, hora após hora, e mesmo sabendo lá no fundo que a sua paixão teria dia e hora para expirar, se deixou levar. Virou adolescente e adulto ao mesmo tempo. Se o objeto de sua paixão pedisse: “me dê um rim agora”. Ele daria, rindo. A paixão em adulto é algo até certo ponto algo bonito, mas como um livro antigo, a gente fica louco pra acabar logo e guardar, ou talvez doar para uma biblioteca velha, sei lá.
Quando aceitou se tratar de sintoma de paixão, não quis incomodar nenhum especialista no gênero amor, um psicanalista, por exemplo. Bastou procurar o ombro de alguns amigos próximos para contar a novidade. De um ouviu: “tá na cara que você tá apaixonadinho”. De outro escutou: “não sou a melhor pessoa, nesse momento, para lhe aconselhar”. E quem disse que amigo adulto aguenta amigo adulto apaixonado? As pessoas têm mais o que fazer, do que ficar dando ombro às tolices de quem se apaixonou. Mas é claro, que depois de insistir para discutir a relação que nunca existiu, ele conseguiu que seus amigos aconselhassem alguns pontos. Adultos se apaixonam por tópicos. Ele ouviu tudo o que ele já sabia de cor e salteado, mas que precisava ser externado por outras vozes para que ele entendesse: que se apaixonar faz parte da vida e que era mais bonito ele ter se redescoberto esse cara que se apaixona, do que permanecer sendo o calculistazinho irônico de sempre.
O bom de ser adulto é que podemos pegar um punhal afiado e enfiar lá no fundo da tal paixão (brega demais essa última frase), ou ser ainda mais íntegro, deixar que o ser que despertou tal paixão volte sua atenção para outra pessoa e nunca suspeite que foi tão almejado durante curto espaço de tempo.
A tal paixão, no adulto, tem esse poder também de só despertar o emocional do tal ser apaixonado, sem com isso respingar em quem despertou tal sentimento. Penso que o sábio não é aquele que embarca numa paixão sem fundamento, mas sim o que deixa a vida mostrar que realmente se apaixonar, em certas circunstâncias, só resultaria em tristezas e assim a tal vida, irônica, se encarrega de separar o joio da paixão. Oh Gosh!
Algumas pessoas nasceram seres apaixonantes, o problema é que elas não devem saber nunca disto!
Texto dedicado aos amigos:
Luiz lima e Elma Santos (esses dois eternos apaixonados).
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