Canalhices; sobre “pagar o piso” e a má utilização de um cadáver.

Certa vez ouvi um texto de um velho que me transparecia doce, mas se revelou assaz amargo, sem qualquer adocico de ternura.

Há pessoas que se amarguram com a imperfeição do mundo.

Querem-se, talvez, ser o próprio Deus, Todo Poderoso, para ousar corrigir a Sua obra.

Quando Deus pôs o homem no universo para compreendê-lo, desvendar suas leis, e fazê-las bem servir a ele, à mulher e ao homem, cada um no seu lavor, enfrentando a natureza. E não adianta enfrentar a estreiteza, dizendo que a mulher vai emprenhar para o bicho homem parir, normal ou com Cesária, por maior dor, não sei donde.

Dominando quem sabe, doutro modo a natureza, porque o homem é frágil, perante o casco do boi, a tromba do elefante, a dentição do rato ou do tigre, a acuidade do falcão, as asas plenas das águias, a mansidão das pombas, a morada sempre à porta do jaboti, o prolífero ejaculo e o passo rápido dos coelhos, a tenaz objetividade do tubarão, o dominar poseidônico das baleias, que o corretor me quer grafar, possidônio, e eu assim não quero, afinal possidônio, invoca mais respeito que Poseidon, o Netuno deus do Mares, onde reinam robalos, pescadas e curimãs, písceos vários de acarapebas a sauaras, peixes que reconheço na banca de feira, bem ilustrado e alfabetizado nos jornais de ontem, e conheço do trato na cozinha, no descamo, no corte e seu alimpo, em esfregaço com limão, só pra lhe abrandar a maresia, antes de lhe entornar leite de coco, irrigar com dendê, em flor de azeite, acebolá-lo com tomate, pimentão e cheiro verde, e coentro em molho picadinho com cebolinha, pimenta de cheiro e malagueta, e até dedo de moça, só para quem aguenta; para dizer entre aspas, porque não é meu o escólio, mais o endosso: “não há pimenta forte; só há homens fracos!”

Postulado, que reformulo, porque numa roda de tambaqui no Amazonas, um baré da margem do Rio Negro, em Educandos, de quem restei amigo, apresentado numa mesa de bar, me expôs uma pimenta lipossolúvel, virada na “gota serena”, ou no “estopor balaio mariano”, palavrões da minha infância, porque pimenta só enfrenta quem aguenta, e já vi alguns que as comia aos bocados, mastigados, com seca farinha, bem torradinha.

E nesse dissecar de rede e pesca, lembro de forno, coifo e caititu, porque já fiz muita farinha, ralando mandioca e separando a manipueira, para decanto do soro, pro beiju e tapioca, tudo relembrado ainda, sem esquecer dos pescados gostosos de água fria; o Côngrio chileno “à la mantequilla”, que só conheço no prato, servido no Serro de Sant Cristóbal, nos Andes alvíssimos, de Santiago.

Desfrutes todos de lugares que vadeei, e não vadeio mais, é bom que se diga, sem saudade!, só para lembrar de Luiz Gonzaga e o seu Côco famoso, “Derramaro o Gás”, porque “Eu nesse côco não vadeio mais, apagaro o candeeiro e derramaro o gás”, tempo em que se aprendia a dançar com belas “cavaleiras”, como se dizia em suprema e risonha inocência.

 

Um dos discos de Luiz Gonzaga onde tem o Côco Forró no Escuro.https://youtu.be/ypn8up5vDTs.

No YouTube pode-se ouvir: https://youtu.be/ypn8up5vDTs.

Porque vadear era brincar, se abraçar, sentir o cheiro da vida, despertando para tudo, sobretudo para os fluidos e hormônios, coisa que se alguém não vadeou, por homônios de bons demônios, em azougues de ferormônios, nunca soube o que perdeu.

Todavia, com tanto hormônio por elegia, eu me esqueço dos canalhas e do pensamento deslembrado, que vai repetido, por errado, mas jamais falsificado, porque dizia o verbo, do velho sem verve, amargustado: “Na humanidade 50% são canalhas. Dos outros 50%, metade não parece, mas o são. Os demais você os há de desvendar”.

Se não era assim, que o velho dizia, alguém o prove diferente, em novo apoio, lema ou tema.

Mas, quem achar que estou perdido no leme e no prumo, eu me arrumo, para dizer que os canalhas sempre glosam e gozam por cima de um ataúde pouco chorado.

Júlio César, por exemplo, como eu gosto de lembrar!, teve o ideal funeral, para um real panegírico, sem igual, e enfatizado genialmente por versos de Shakespeare, o mais cerebral vate inglês.

Já o cadáver de Getúlio Vargas, fê-lo sair da vida e adentrar na História, mas ninguém lhe vingou a honra ferida da suicida bala invocada.

Quantos ao lado de seu esquife choraram e no seu cadáver se nutriram?

O meu contemporâneo estudante, Edson Luiz, morto na fila do restaurante pardieiro do Calabouço, no Rio de Janeiro, isso nos idos de 1968, nunca tantos carpideiros ali encheram a Central avenida da capital carioca, em “passeata dos cem mil contra a ditadura”, na Missa da Igreja Candelária, e eu aqui, bem distante, seguindo a mesma catilinária, e que seria repetida à exaustão: “o povo unido, jamais será vencido!”

O cadáver, só se viu depois, provocou o AI5, cuja estória derruba os fatos e erige versões.

Outro dia, em nova versão de cadáver chorado foi a vez da vereadora Marielle, morta e matada com precisão de apuro em pior desdita, de um “sniper” infalível, atirador, visto só no cinema e na ficção, a exaltar um cortejo jamais tão lagrimado por muitos, tendo exigido mesmo, um universal e irrestrito, choro lamuriento.

Em lamento parecido, ressoou de Paris, na França, um grito irado de passeata : “Je suis Charlie!”, bisado e repisado no mundo inteiro, em todos os idiomas, “occos, poccus et exóticus”, sem ninguém saber a que, e a quem: serviam!

Nesse contexto, rabisquei um texto, e alguém pode encontrá-lo aqui nos meus arquivos, de 12 de janeiro de 2015, em francês epigrafado: “Je ne suis pas Charlie, je suis encore moi-même!”

Eu não era Charlie, eu continuaria sendo: mais do mesmo.

Como, sempre descumprimos o conselho de Jesus, segundo o qual devemos deixar que os mortos chorem por seus mortos, todos pranteamos aqueles a quem nos fazem merecer

E porque continuo sendo eu mesmo e igual, só que envelhecido, mas sem me envilecer, recentemente louvei a vida que se extinguia do filósofo, Olavo de Carvalho.

Alguns, não sei o porquê, nem o desejo, ousaram sair do seu anonimato bem a confortado, creio!, para manifestar o seu desagrado com o meu escrito.

E daí? Não veem que não pertenço a sua tribo?  Querem me patrulhar até no riso e na dor?

Será que é coisa de gente que vem laborando pouco e prolaborando em demasia, “in office”, sem mesmo precisar tirar dinheiro no banco, e pagando tudo em pix, até a farra no boteco, porque há saldo sempre fornido e reclamado; até quando só deus sabe! em tanto cansaço e inutilidade!

Agora, em outros desdouros, o noticiário esquece o vírus para falar da morte absurda do congolês, Moíse, que morreu espancado, em suprema, mais que suprema: selvageria!

Bestialidades à parte, entendo que todo cadáver, qualquer um, deveria merecer a eterna palavra de John Donne(1572-1631) e que eu repito sobremaneira nos meus textos:  “Nenhum homem é uma ilha, cada homem é uma partícula do continente, uma parte da Terra. … E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.

E assim eu me volto para os canalhas, porque segundo alguns, os sinos devem calar e retinir, para uns apenas do seu sentir, como no último fim de semana com tantas passeatas alavancadas com as velhas e rotas bandeiras, para atacar o Bolsonaro.

Tudo não é culpa de Bolsonaro, segundo os falantes desses palanques?

Só não é culpa dele, ressalte-se, a elevação do piso salarial dos professores, pelo menos!. Um aumento nunca jamais editado!

Oportunidade para lembranças de passeatas outras de “pague o piso!” na rabeira de um outro cadáver.

Fatos que já estão perdidos no tempo e merecem ser olvidados, sem perdão, porque não valia para estes o dito de Jesus: – “Perdoai-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem!”.

Porque o canalha sempre sabe o que faz, até naqueles gritos ensurdecedores, para que fosse bem ouvido pelo governante se ultimando, enquanto demanda imorredoura: “in extremis!”,

Voltando agora a Moíse, e o problema do crime, tem-se que perquirir as causas e bem punir os autores; sem raiva, sem vingança, mas em ampla defesa, como assim preceitua a lerdeza judiciária, e o laivo múnus do contraditório.

É nesse contraditado, que tudo se move, inclusive a canalhice de refletir o ônus por cima do erário.

O que não vale é invadir as Igrejas onde os homens se refugiam, invocando seu Deus a serem melhores.

Quanto ao congolês que por aqui emigrou, ninguém o colocou no bom servir, de uma profissão a desempenhar, fazê-lo útil, para sobreviver.

 

Foi simplesmente colocado ao léu, para se virar, como é comum aos abandonados no mundo: os daqui concebidos, perambulando nas esquinas, e os de fora recebidos.

O problema dizem alguns; é de bem repartir, é de melhor saber compartilhar. Essa coisa assaz bonita desde que o mundo é mundo: com Covid e antes dele.

Da fugacidade da vida e do pranto bom ou mal lamentado, falo do Salmo pregando o futuro do homem, sempre à terra retornando, onde já repousam os nossos pais.

Por final, e já esquecido dos canalhas e dos eventuais acepipes e gozos, repito de Isaac Asimov, em seu livro, “O livro dos Fatos”, que “apenas uma pessoa acompanhou o caixão de Mozart da igreja ao cemitério, onde foi enterrado em vala comum”.

Quanto ao filme premiado de Milos Forman, de 1982, deu-lhe um melhor aplauso com sua  música terminal: o seu famoso Réquiem.

Lacrimosa de Mozart https://youtu.be/FUaIUHYfhjs

Que seja cantado esse mesmo Réquiem à Moíse, que eu não conheci, mas ofereço.

Youtube do Lacrimosa https://youtu.be/FUaIUHYfhjs

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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