CARNAVAL E MICAREME

Sergipe tem um vasto calendário de festas cívicas, populares, religiosas, alimentadas por forte tradição do povo. Seu carnaval, atualmente restrito a Neópolis e outras poucas cidades, já foi vistoso, atraente, mobilizando populações inteiras nas ruas e nos clubes de Aracaju e do interior. Vários clubes carnavalescos, a exemplo dos  sobreviveram, por longo tempo, animando a festa, reunindo adeptos que se tornavam, no tríduo momesco, foliões com suas fantasias, adereços, e munidos de lança-perfume, que era de uso permitido, tanto na ampola de vidro – Colombina -, como na de metal – Rodhia – e de talco ou “maisena”, andavam em grupo, tomando os lugares públicos, como o Ponto Chic, na rua de João Pessoa, esquina com a rua de Laranjeiras, onde está hoje o Ministério do Trabalho.

A primeira forma do carnaval em Sergipe, como de resto em várias partes do Brasil, foi o Entrudo, realizado no primeiro dia do ano, com sua “Guerra de Cabacinha”, também conhecido como Limão de Cheiro, seus bandos de mascarados, grupos folclóricos, especialmente Lambe – Sujos e Caboclinhos.

Corinto Mendonça, doublé de arquiteto e memorialista, lembrava que por volta de 1895 surgiram os primeiros blocos carnavalescos: Os Mercurianos, trajando as cores azul e encarnado (vermelho) e os Cardovínicos, que vestiam as cores branco e vermelho. Já na primeira década do século XX apareceram Os Filhos de Baco e o Arranca, e também os Fenianos, que disputavam, como rivais, com os Mercurianos, nos últimos tempos deste bloco. Em 1940 apareceram Os Legionários de Sergipe, grêmio carnavalesco que ficou famoso em toda a década, dividindo a preferência com os Mercurianos, nos anos finais de existência deste grupo. Na mesma década de 1940 apareceram, com seus carros alegóricos e suas fantasias, o bloco Gato na Tuba.  Na década seguinte surgiu a escola de samba Império Serrano, que ensaiava nas imediações da velha Caixa d´Água. Em 1966 foi fundada a escola de samba Império do Morro, pelo babalaorixá Gilberto da Silva, o popular Lê, com sede na rua de Gararu, 419.

Além dos bandos de mascarados, dos grupos folclóricos, dos blocos e ranchos e das escolas de samba, o carnaval sergipano, notadamente em Aracaju, promovia um Corso, desfile de carros enfeitados e cheios de moças e rapazes. O Corso era tão presente e importante nos dias de carnaval, que em 1928, por exemplo, foi traçado um roteiro oficial, por onde os carros deveriam passar, saindo e voltando para a rua de Japaratuba (hoje João Pessoa), passando pelas ruas de Maroim, Pacatuba, e Itabaiana, pelo lado da Ponte do Imperador,  e pela praça Fausto Cardoso. Em 1932 o carro que fez bonito foi o da Fábrica Sergipe Industrial, levando operários para o desfile nas ruas centrais da cidade.

Os bailes se tornaram eventos de multidões, lotando os clubes, desde o Recreio Clube, que é de 1916, instalado na atual praça Olímpio Campos, o Clube Esportivo Sergipe, que embora seja mais velho, de 1909, não era propriamente um clube social, nem o Cotinguiba Esporte Clube, que também é daquela época remota da vida aracajuana,  a Associação Atlética de Sergipe, construída em 1937, o Iate Clube de Aracaju, que é de  agosto de 1953, e outros, como o Vasco, quando funcionava na rua de São Cristóvão, o Clube dos Comerciários, na avenida Carlos Firpo, o Clube dos Sargentos, na rua João Pessoa, o auditório da Rádio Difusora, no Palácio Serigy, entrada pela rua José do Prado Franco. As orquestras, conjuntos, cantores, animavam os bailes, dando aos três dias carnavalescos uma animação que varava a noite, entrava pela madrugada e, na terça feira terminava pela manhã do dia seguinte. O maestro Pinduca (Luiz dÁnunciação) é uma testemunha privilegiada, pois sua Rádio Orquestra animou muitos carnavais de Aracaju, nos anos de 1940. Músicos como Eutímio, Miguel Alves, Carvalhal, Honor Gregório, e muitos outros, conquistaram os aplausos dos foliões. Orquestras de Pernambuco, como as dos maestros Nelson Ferreira e Guedes Peixoto, também ajudaram a manter o prestígio do carnaval sergipano.

No interior, ao som dos sucessos de Capiba, na voz de Claudionor Germano, o carnaval sobrevivia sem maiores públicos. O que animava o folião interiorano era a Micarema, carnaval depois da quaresma, com seus blocos bem enfeitados, numa rivalidade que chegava às últimas conseqüências. Laranjeiras, e Maroim tinham blocos que permaneceram anos seguidos, como o Chic, o Paladino, o Santa Cruz, dividindo o povo entre torcidas. E os bailes nos clubes. O Treze, em Própria, o Cruzeiro, em Estância, O Sobrado e a Sede, em Tobias Barreto, o Gabinete de Leitura, em Maroim, dentre muitos outros que sediam seus espaços para a animação carnavalesca.

As serpentinas, os confetes, a lança-perfume, as máscaras, as fantasias, o talco, o ritmo das marchinhas e dos frevos, a cadência do samba, enfim toda uma atmosfera de festa típica, para a qual rapazes e moças ganhavam licença dos pais, sem hora limitada, sem patrulhamentos ou vigilâncias. Carnaval e Micareme ou Micaretas sempre rimaram com liberdade, até mesmo para as crianças, dançando roda na praça Fausto Cardoso, ou participando dos bailes infantis dos clubes, trajando roupas preparadas, especialmente, para o tríduo da folia. Situada entre dois pólos carnavalescos – Recife e Salvador – Aracaju perdeu a sua referência com relação ao carnaval. O show nas imediações dos Mercados, e que remontam ao Clube do Povo, tentativa de reanimar a folia, iniciativa do então Prefeito Heráclito Rollemberg, tem sido os últimos suspiros dos velhos carnavais.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais