CARTA ABERTA AOS GOVERNANTES

É verdade, o cidadão comum não pode ser candidato nem a vereador. Cargo foi feito pra poposuda, gente que passou muita fome ou sobreviveu a grandes tragédias, de preferência soterrados com três dias sem ninguém ver, do alto de um penhasco, ou um esportista que tenha tido a perna decepada, depois de ser vítima de uma embarcação que sem licença levou na serra a força que o impulsionava a andar. Não tem como ser candidato a nada o cidadão comum, ou, dizem é viadagem, vamos votar nele que é engraçadinho ou não, ele não pediu pra gente tomar a medicação anti natalidade, nem distribuiu camisinha na feira. A verdade é que minha avó me avisou: não se meta em política, meu filho- você já é bicha conhecida e ladrão e puta já tem demais. Mas eu sou teimoso, acredito no Brasil que deixou de existir há muito tempo e insisto na urna com tantos outros que não tiveram (ainda) o corpo estilhaçado ou uma história de Parkinson para que todos se comovam. Mesmo sem ter a cara bonita da Globo e uma doença grave,  onde você tá sempre mais bonito careca! (ih!) vejo centenas de incautos, entre eles – eu, convicto de que um milagre pode acontecer, mas São Pedro está tão comediante que tem feito a cidade alagar, e aqueles vereadores que lá estiverem voltarão, porque são, na prática políticos profissionais. A imagem que tive ao entrar hoje na Prefeitura foi o desejo incontido de colocar uma placa – leilão dia 07 de outubro, mas um guarda saiu cabisbaixo, do lado esquerdo que tem a foto de Aloísio de Campos, e eu escondi a placa. Fui saindo manco dali, cabisbaixo, vereador, presidente, síndico, juiz, porteiro de prédio, chefe da guarda, quem? Não consegui decifrar, até que pisei numa mega poça de água, levando minha meia Louis Vuiton por água abaixo. Com um motorista me esperando, – único luxo que me dou, bati a porta do carro, enquanto um menos avisado veio e disse: lembra de mim, seu Araripe. Eu disse que sim, mas na verdade não lembrava nem de mim mesmo. Ele disse: de onde? De onde? Eu disse: sei não. Eu votei no senhor nas últimas eleições. Ri tanto, quase choro. Sem santinho, sem cartaz, sem nada, apertei a sua mão e fui me debatendo rumo a Francisco Porto, onde aquela rótula logo ali, nos ensina o caminho do São João Batista ou da sorveteria do Castelo Branco.  Já de posse de meu CNPJ, tentei abrir a conta de candidato como qualquer cidadão brasileiro, – saldo zero. Podia ser vereador de mim mesmo, como tantos! Será que pegariam, de novo, carros com bolos de dinheiro, e  em dia de eleição, em plena luz do dia, dariam posse a este vereador mangador do voto do povo?  Que força, mais eu teria, um delinquente, um ladrão, um veado, em meio a tanto dinheiro derramado a olhos nus. Perceptível, como uma cobra faminta, me debrucei sobre a janela da Beira Mar para almoçar com Augustinho Maynard, enquanto perguntava se era possível ainda acreditar na frase de Dilma quando disse que o PIB de nossas crianças é o PIB que interessa. Afrontado com tanta água para espargir o mau agouro, – me ligam e pedem mais seriedade na campanha, outros dizem que tenho que aparecer nu e outros de Carmen Miranda. Atento ao candidato Rola que agoniza depois de mais de 20 mil votos, semeio demoradamente os cardos. Alguém deve saber que misturar política com poesia é um ato de bravura. Mas ter que engolir a si mesmo para agradar um eleitorado, dá para ficar tiririca da vida. E envergonhado.

Quem são os oprimidos?

Sônia Nardi
*escritora

Essa é a questão fundamental para que o rumo da Filosofia e sua eterna, e quase inalcançável busca pela ética, mude. Quem são os oprimidos? A quem se estende a nossa alteridade? Afinal, o que é alteridade e o que é opressão?

Alteridade é quando conseguimos compreender o “Outro”, nos colocarmos em seu lugar, nos compreendermos como ele se compreende, é ouvi-lo, é sentir seu desejo pela vida e pela liberdade. Em nossa dominação pela Terra e por tudo que nela existe, nós não exercitamos a alteridade, mas sim, a dominação, de forma bruta tanto para com aqueles que julgamos inferiores, como para conosco mesmo. Ação e reação, o que enfrentamos hoje nos aparece na forma da terceira lei de Newton: “Para cada ação há sempre uma reação, oposta e de mesma intensidade”. Somo incapazes de pensar na Natureza como um “Outro”, como aquele a quem oprimimos e subjugamos, somos incapazes de ver os animais como um “Outro Ser” do qual nos apropriamos e oprimimos, porque somos incapazes de exercitar a
alteridade para com eles.
Talvez com poucas exceções, a grande maioria dos autores que fala em alteridade, aponta como “Outro” apenas o ser social, aquele que se relaciona, porém, esse mesmo “Outro” que se comunica e troca experiências é, na ponta dessa corrente, um ser oprimido devido à opressão que ele, e quem o defende, causa ao esquecer que a água igualmente grita, que os animais igualmente gritam por serem eles, todos oprimidos.

Por isso a necessidade de nos debruçarmos sobre a Filosofia e encararmos com coragem os desafios que ela nos impõe, para que alcancemos uma ética que mostre que o “Outro” não é necessariamente o “Outro Humano”, mas um “Outro Ser” pelo qual, igualmente, temos a obrigação moral de oferecer respeito.

MerleauPonty nos diz: “Na experiência do diálogo, constitui-se entre mim e o outro um terreno comum, meu pensamento e o dele formam um só tecido, minha fala e as dele são invocadas pela interlocução, inserem-se numa operação comum da qual, nenhum de nós é criador.Há um entre os dois, eu e o outro somos colaboradores, numa reciprocidade perfeita coexistindo no mesmo mundo”.

Mas as águas gritam, os animais gritam e nós fechamos nossos ouvidos para o sofrimento deles porque acreditamos que apenas o ser social, apenas o ser comunicador tem o direito de coexistir ao nosso lado, no entanto, eles não se calam. Mas ignoramos porque ouvindo-os, seremos obrigados a novas atitudes, a novas reflexões, a novos conceitos.

Ouvindo-os, nos aproximaremos de novas questões morais e éticas, e finalmente, da inclusão desse critério de alteridade aos demais seres que tanto marginalizamos e nessa nova práxis libertadora, seremos apresentados a verdadeira liberdade dos oprimidos.

Essa negação do critério de alteridade para com os animais, transformando-os em não-outro ou não-ser, ocorre devido à dominação que nós, animais humanos, os submetemos; ao subjugá-los como fazemos, lhes negamos o direito de liberdade e os oprimimos. Não nos colocamos no lugar de seres que dominamos, isso é opressão. Não ouvimos seus gemidos, nem sentimos suas dores, apenas os oprimimos e não podemos deste modo, nos considerarmos seres éticos na busca pela libertação e pela alteridade, o que nos coloca em contradição com aquilo que buscamos, ou seja, a própria Ética. A consequência dessa exclusão é a opressão e as mudanças a qual temos assistido todos os dias, na reação de um Planeta que igualmente no todo, é considerado um não-ser, sendo violentado diariamente pelo desejo humano.

Essa “ética” atual é na verdade uma ética injusta e irresponsável, que aniquila não apenas os excluídos, mas os que os excluem e ameaça dia a dia, o futuro de todos os seres que aqui habitam.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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