Carta para Araripe Coutinho

Poeta,

Penso em desistir de tudo com uma frequência que me assusta. Cansei de encarar fatos desgastados e que sem utilidade nenhuma só servem para me atiçar ao fim. Respirar dói, andar dói, até achar alguma coisa sobre algo dói. Não existe mais sentimento, apenas ressalvas. Quem me dera encontrar alguma conversa com substância, estou cansado e apenas o senhor poderá me compreender. Pensei muito em sua escrita estes dias. Como suporta a média geral dos assuntos falados por quem lhe cerca? Ninguém fala mais sobre criações, tudo está muito igual e não quero pertencer a isto.

 

Araripe,

Quando pedi asilo intelectual em seu ninho estava clamando verdade e querendo uma resposta que já sabia qual era. Muito obrigado por você abrir as portas de sua nova casa e ter me dado uma chave imaginária que poderá abrir todas as possibilidades de escrita pra mim. Esta carta será rápida porque jamais ousaria tomar seu tempo que vem emoldurado num turbilhão de pensamentos sempre. Sinto falta de pessoas que possam conversar comigo sobre planos, como você faz. Não sei se te contei, mas tenho vários comigo (falo dos planos), porque a cada dia perco mais pessoas e isso me machuca, porém me liberta também. Estou deixando de mão diversas pessoas, me permitindo ser só para conhecer até onde posso chegar e, odiar que já amei só pra testar as possibilidades.

Nunca mais cultivei a solidão e estas semanas estão contemplativamente difíceis. Sei que você me entenderá. Li “O Capital” de dezembro e me veio uma vontade morrer-do-tipo-Cristina-Gama. Mas, talvez essa ânsia de morte venha dos empecilhos que sinto em produzir os textos, sem um horizonte desenhado. Acho que te escrevo mais para saber por que o senhor ainda escreve? Será que tudo que falamos ou pensamos já não foi falado ou pensando antes? Se existe uma coisa que me tira do sério é a sensação de que já li algo que já foi feito. Como ser unânime e talvez um novo Warhol? Se não for assim, pra mim não serve nada!

Fiz 31 anos recentemente e pra ser sincero não sei se conseguirei chegar até os 65, meu limite já estabelecido. Ninguém me prova nada de novo, queria aprender alguma coisa que me estimulasse a sentir e pensar diferente. Mas nada vem, nada aquém, nada saí de mim. Como escritor, vivo toda obra lida como seu eu mesmo tivesse construído ali cada grama da palavra registrada, mas sei que não nasci pro plágio. Quero um estímulo e por isso lhe suplico uma ideia, uma causa-cruz, alguma coisa.

 

Poeta,

Começaria aqui outra carta sem dor nenhuma, se eu não estivesse magoado com várias pessoas que me impedem de ser melhor. Até aceito mediocridade, porém que seja embasada. Não me venha com choro por causa pequena. Não aceito e não sorrio pra bobagens, porque carrego em mim tanta pausa e, mesmo assim não reclamo de boca pequena. Não admito nada menos que isso!

Tenho um cansaço em mim de algo que sei que vai me tirar as forças no futuro. Já aleguei doenças bacterianas pra não prosseguir na tolice e até entorpecentes pra justificar picos de criatividade e, nada. Estou seco por dentro (morte intelectual) e por fora (sinto minha pele mais velha e com rugas). Responda-me, por favor, Araripe, pois suas palavras sempre me cobrem e durmo protegido quando você prolifera em mim algum sopro de sua genialidade. Peço socorro a você porque por mim não importa mais nada, já desisti!

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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