Causos de Itabaiana Grande

Nas últimas décadas a população sergipana migrou do campo para as cidades, mas não alterou, completamente, seus modos de vida. Os apelos da tecnologia, a comunicação de massa, não tiraram do povo os hábitos da conversa, da prosa amiga, alimentada pelos comentários que fatos e pessoas inspiram e que entram, pela aceitação e pelo uso, no amplo repertório de “causos”, matéria recorrente das conversas dos bares, das barbearias, farmácias, pontos outros de encontro das pessoas.

 

Cada lugar de Sergipe tem homens e mulheres que guardam imensa quantidade de estórias, velhas e novas, com as quais enchem de entretenimento as rodas de ouvintes. Uns fixam, no papel, em texto leve, os “causos” que guardam na memória, como foi o caso de José Augusto Machado, que publicou o livro Causos de Itabaiana Grande (Aracaju: Gráfica e Editora Info Graphics, 2004), espécie de antologia das estórias que recolhe na sua terra. O livro tem capa de Belém, um dos mais ativos e consagrados desenhistas e ilustradores de Sergipe.

 

O professor Antonio Samarone faz a apresentação do autor e do livro, chamando a atenção para a psicologia dos serranos ou ceboleiros, a partir das façanhas de figuras itabaianenses, dos vários escalões da sociedade. São fatos curiosos, engraçados, que adornam os perfís dos personagens com os quais o povo estabelece certa empatia. Já o jornalista e também professor Luciano Correia sublinha, em texto da quarta capa, o tipo interiorano em sua afirmação lúdica, contribuindo para dar unidade ao corpo social da terra, destacando Itabaiana e sua população.

 

Itabaiana é mesmo pródiga no registro das manifestações críticas. Vladimir Souza Carvalho tem pesquisado desde o caxangá, música popular que funciona como paródia, geralmente de textos chistosos, até os apelidos, tendo Itabaiana como o recorte geográfico e os itabaianeses como os notáveis criadores de tais fatos culturais. Um encontro de serranos costuma ser rico de evocações, lembranças interessantes de “causos”, como se houvesse em Itabaiana uma atividade permanente, ligada a tais acontecimentos, com força suficiente para resistir a todas as mudanças comportamentais. Tal constatação dá crédito a uma identidade local, reverenciada, exaltada, como uma qualidade, um diferencial.

 

Itabaiana ganha mais um intérprete com José Augusto Machado. Seu livro reúne homens importantes, como o médico e político Dr. Itajahy, nascido em Lagarto, e o comerciante e político Euclides Paes Mendonça, natural da Serra do Machado, município de Ribeirópolis, mas que pela vivência acabaram como tipos itabaianenses, naquilo que identifica cada um com o cotidiano da cidade, que comporta um traço de humor inconfundível, alastrado em outros personagens, flagrados em situações embaraçosas, ou protagonizando as mais risonhas estórias.

 

Euclides Paes Mendonça se tornou, em Itabaiana, um personagem de muitas estórias, alcançando repercussão fora do município. Há um grande anedotário em torno do “Seu” Euclides, ainda repetido nas rodas amolecadas de Itabaiana e de Aracaju. José Augusto Machado conta a estória da TV, que Euclides teria mandado embrulhar um aparelho e um “canal”, e que circulava de modo diferente em Aracaju. A versão era que ao ser indagado sobre a existência, em Sergipe, de um canal para captar os sinais da televisão, Euclides teria respondido que tinha, era o Canal de Santa Maria, um córrego ligado ao rio Poxim. Outra estória de Euclides, no imaginário dos sergipanos, é da “Oitava”, música que ele procurava numa casa de discos, e que nem era a 8ª sinfonia, nem outro qualquer clássico, mas a Farinhada, baião que ficou famoso na voz de Ivon Cury e que começava com Oi, tava na peneira/ oi, tava peneirando/oi, tava no namoro/oi tava namorando, que Euclides juntava como“oitava.” Muitas outras estórias existem por aí, tendo Euclides Paes Mendonça como personagem.

 

José Augusto Machado cumpre com um papel fundamental, de dar voz aos fatos da sua terra, pondo em evidência o saber e o fazer locais, povoado de gente simples, de gente destacada, num rol que valoriza o modo de vida de Itabaiana, sempre chamada de Grande, repleta de peculiaridades, vivificada nas fendas calcáreas da Ribeira, no Pé do Veado, no Matapuã, no Rio das Pedras, no Poço das Moças, no ouro e na prata das minas da Serra, nas carrocerias de caminhão, verdadeiras obras de arte, no imenso número de motos e de caminhões, nas carnes assadas ao longo da pista, e agora nos “causos” que o escritor recorda, recria, e publica como contribuição ao imaginário local.

 

Além da leitura agradável dos Causos de Itabaiana Grande fica o exemplo de que a literatura local, as narrativas populares, são fontes inesgotáveis que revelam pessoas, gente, hábitos, espertezas, situações próximas. E que o exemplo seja forte para despertar outros autores, que contem outras histórias.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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