Chame o ladrão!

Capítulo mais recente da brincadeira de mocinho e bandido que virou o caso Daniel Dantas, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, tratou de desacreditar a sentença do juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que condenou o banqueiro a dez anos de prisão por corrupção ativa. Classificou de “extremamente graves” acusações presentes na sentença envolvendo um ex-funcionário do próprio STF, acusações que teriam o objetivo, segundo ele, de ferir a suprema corte brasileira.

 

“Registro não ser a primeira vez que, no curso desse processo, divulgam-se informações oblíquas a sugerir comprometimento da probidade desta Corte, a exemplo da afirmação do magistrado em matéria publicada na revista Época, de 29/9/2008. Ao ser indagado se havia alguma ‘citação do ministro Gilmar Mendes’ na investigação que deu ensejo à ação penal, o juiz Fausto Martin de Sanctis limitou-se a responder: ‘Minha convicção pessoal é no sentido de que essas informações, por sua natureza, não podem ser reveladas, pois configurariam uma quebra do sigilo do processo e, inclusive, nesse sentido foram as minhas informações prestadas em habeas corpus ao TRF da 3ª Região, ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF’”, citou, textualmente, o ministro Gilmar Mendes.

 

As tais “informações oblíquas” referem-se ao ex-servidor do STF Sérgio de Souza Cirillo, que trocou nove ligações telefônicas, entre junho de julho, com o professor Hugo Chicaroni, também condenado sob a acusação de ter intermediado pagamento de propina a um delegado federal em nome do banqueiro. Coronel da reserva do Exército, Cirillo – supostamente ligado ao grupo de Dantas – foi nomeado assessor principal do gabinete do secretário de Segurança do STF. Na quinta-feira, Gilmar Mendes encaminhou ofício ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, pedindo que investigue. “A urgente apuração ora requerida é imprescindível para que sejam elucidados, de forma peremptória, fatos de extrema gravidade a demandarem a pertinente responsabilização legal”, afirma, no ofício.

 

O presidente do STF fecha o cerco ao juiz, um antigo desafeto. Fausto De Sanctis foi alvo de críticas públicas de Gilmar Mendes por ter decretado uma nova prisão preventiva do banqueiro Daniel Dantas durante a Operação Satiagraha, em julho, a pedido do delegado da PF Protógenes Queiroz. A decisão do juiz foi tomada logo após Mendes ter concedido habeas corpus em favor do investigado. Dantas acabou solto pela segunda vez por decisão liminar de Mendes, confirmada em novembro pelo plenário do STF. Na oportunidade, outros ministros da Corte também criticaram duramente o comportamento do magistrado, que teria afrontado a instância máxima da Justiça brasileira.

 

Depois, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) entrou com uma representação contra ele no Conselho Nacional de Justiça, que também é presidido por Gilmar Mendes, porque de Sanctis supostamente repassou a policiais federais senhas que dão acesso irrestrito a cadastros e históricos de ligações telefônicas. Em análise inicial, o CNJ já havia negado qualquer punição por desvio funcional de conduta ao juiz. Entretanto, o deputado entrou com recurso contra a decisão e, por isso, a representação será novamente julgada.

ESSA RESENHA TODA É PARA ILUSTRAR o porquê das pessoas desconfiarem de estar havendo uma inversão de valores na esfera mais alta da Justiça desde julho, quando o delegado Protógenes ousou prender o poderoso banqueiro Daniel Dantas. Desde então, o policial e o juiz têm sofrido um linchamento moral. Por parte de autoridades dos três poderes e por parte da grande imprensa. De algozes — ou de heróis —, Protógenes e de Sanctis viraram réus do processo.

 

Conhecido pela astúcia e pelo poder que conquistou desde o governo de Fernando Collor, o bancado Daniel Dantas foi novamente preso na tarde do dia 10 de julho, uma quinta-feira, horas depois de ser solto por um habeas corpus concedido pelo presidente do STF. Segundo o Ministério Público Federal, o depoimento de Hugo Chicaroni, preso na terça-feira, motivou o novo pedido de prisão do banqueiro. Ao ser preso pela segunda vez, e antes de ser liberado por um segundo habeas corpus, também concedido pelo ministro Gilmar Mendes, o banqueiro disse: “(…) vou contar tudo sobre todos. Como paguei um milhão e meio para não ser preso pela Polícia Federal em 2004 (…) tudo sobre minhas relações com a política, com os partidos, com os políticos, com os candidatos, com o Congresso… tudo sobre minhas relações com a Justiça, sobre como corrompi juízes, desembargadores, sobre quem foi comprado na imprensa…” Talvez isso explique alguma coisa.

O jornalista Luis Nassif comentou no dia 20 de novembro passado: “O caso Satiagraha é um marco na história institucional brasileira, talvez a maior prova de que o país caminha para a maturidade institucional. (…) A prova de maturidade não está no Supremo Tribunal Federal, depois de uma votação vergonhosa do habeas corpus de seu presidente Gilmar Mendes — na qual a maioria absoluta dos ministros demonstrou sequer ter estudado o caso que competia a eles analisar. Essa geração de ministros conseguiu algo impensável: colocar o STF na relação das instituições sob suspeição da opinião pública.”


Na falta de ter a quem recorrer, como diria Chico Buarque, chame o ladrão!

Correio

“Parabéns pelo texto ‘Sergipe perde de novo para a Bahia’. Para tratar de um problema atual você retomou uma histórica querela envolvendo os limites entre Sergipe e Bahia. É importante que as pessoas saibam que a polêmica é, na verdade, uma ‘velha novidade’. No mais, acredito que os debates sobre o referido tema devem ser investigados de forma sistemática por um estudo acadêmico. Espero que sua contribuição sirva para alertar os nossos pesquisadores.”

 

Samuel Albuquerque, professor de História

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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