CIDADE DE SÃO CRISTÓVÃO

No raiar do dia 1º de janeiro de 1590, chefiando uma milícia a soldo, o Capitão Mor Cristóvão de Barros impôs aos indígenas que ocupavam a área litorânea de Sergipe, na região da foz do rio que dá nome à terra, um derrota. Vestido da autoridade de Provedor da Fazenda e nesta condição Governador interino do Brasil, compondo uma Junta provisória com o Bispo Dom Antonio Barreiros, formada com a morte de Francisco Giraldes, nomeado Governador Geral ainda em 1588, em substituição a Manuel Teles Barreto, falecido em 1587, Cristóvão de Barros colecionava mais um triunfo na sua carreira, desde que em outubro de 1571 substituiu Salvador Correia de Sá no Governo do Rio de Janeiro.

Não era um desconhecido, já tivera participação destacada no Brasil em 1566, quando comandou uma tropa acompanhando Mem de Sá, em socorro dos moradores do Rio de Janeiro. No ano seguinte ganhou uma Carta de Sesmaria nas proximidades do rio Macacu. Mais tarde construiria um engenho de açúcar em Magé e no Governo do Rio de Janeiro fundou o Engenho Del-Rei, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde hoje está o Jardim Botânico, e distribuiu Sesmarias fazendo o povoamento das margens da baía da Guanabara e de outras regiões cariocas. Tinha, portanto, a experiência de um veterano em dizimar índios.

Cristóvão de Barros com seu exército de aventureiros e colonos que se juntaram aos militares chegou na praia sergipana nos meses finais de 1589, conquistando a terra de Sergipe na dobra do dia 1º de janeiro de 1590. Naquela guerra vencida, o Governador funda a cidade de São Cristóvão, nomeia sua padroeira a Nossa Senhora da Vitória, invocação decorrente da vitória de Dom João da Áustria em Lepanto, em 1571, contra os sarracenos e repete o gesto do Rio de Janeiro: distribui terras, em Sesmarias, a si próprio, aos seus parentes e companheiros de guerra. Naquela guerra perdida, milhares de indígenas foram mortos, outros escravizados, e Serigy ou Sergipe, em greve de fome, padece e morre na cidade fundada como troféu do vencedor.

Na denominação da cidade – São Cristóvão – está a marca do domínio espanhol sobre Portugal, porque o nome rende loas ao fidalgo Dom Cristóvão de Moura, preposto do Rei Felipe II em Portugal. A cidade de São Cristóvão não tem o nome do santo, nem do próprio conquistador, mas de uma figura que transitou, cheio de poderes, pelos corredores e salões dos palácios portugueses e espanhóis. A cidade não durou muito no seu primeiro local, na praia de Aracaju, provavelmente entre a foz do rio Sergipe e a foz do rio Vaza-barrís. Não há, na cartografia, nem na documentação, local preciso do primeiro sítio. Mudou para um dos morros  próximos, de onde dominava o cenário praiano do mar e das entradas dos rios. Há, na tradição oral e em recibos de negociação de terras, menção aos “Morros da cidade velha”, que seriam aquelas elevações hoje nas vizinhanças do Aeroporto Santa Maria, de onde saiu para a região de São Gonçalo e, já no curso do século XVII para o local onde está, atualmente, erguida a cidade, que por ato de Pedro I foi, em 1823, novamente elevada a tal condição, para ser a capital da Província.

Desde a emancipação política São Cristóvão permaneceu capital por 25 anos. O Presidente da Província, Inácio Joaquim Barbosa, contou com o engenheiro militar Sebastião Basílio Pirro para planejar a construção de uma nova cidade, que fosse um porto mercantil e que afirmasse o desempenho econômico de Sergipe, especialmente na produção do açúcar a ser comercializada. Surgiu Aracaju com seus encantos de modernidade, suas praças e ruas bem medidas, em quadras harmoniosas, para cumprir um destino histórico. São Cristóvão sobreviveu como uma relíquia da arquitetura religiosa, com seus largos e casario, e como um testemunho do domínio espanhol sobre Portugal, no nome, no orago, nas marcas do seu nascimento. No imaginário do povo as velhas contendas entre cristãos e mouros, que marcaram a contra-reforma, e que justificaram lutas de oito séculos, foram mantidas na representação lúdica da cidade, como atesta Serafim Santiago (1860-1932), no seu manuscrito inédito Anuário Cristovense,  retratando o cotidiano de festas religiosas e populares da velha cidade. A Chegança, auto popular que trata da abordagem da Nau da Cristandade ao Quartel da Mourama, a troca de embaixadas, a luta e a submissão e conversão dos mouros, como canta e representa o grupo de Mestre Rindú, é um exemplar fantástico dessas sobrevivências.

Postulando o reconhecimento de monumento patrimonial da humanidade, pela UNESCO, São Cristóvão singulariza em Sergipe a presença ibérica e notadamente a influência espanhola, praticando aqui em Sergipe o que o filósofo Julian Marias qualificava como os fundamentos da hispanidad, ou o sentimento de empunhar valores como armas de guerra, contrapondo-os aos adversários, fossem eles árabes ou mulçumanos em geral, judeus, gentios (indígenas assim chamados por serem pagãos e estarem fora do grêmio de Israel), negros escravos, e todas as castas mestiças que tinturaram a nação brasileira nesta região velha do nordeste do Brasil.

Quando mais um ano faz a história tornar a começar, São Cristóvão de pé, velha como Sergipe, é um testemunho único, relevante, do processo de ocupação da terra e do projeto ibérico de colonização. 


Clique aqui e confira a canção do grupo de Mestre Rindú

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais