A Literatura de Cordel continua a ser, no Brasil, uma expressão legítima de cultura popular. Tradicionalmente escrita, editada em folhetos de 8, 16, 32 e 48 páginas, com capa de xilogravura ou clichê gráfico, tem sua pátria na região nordestina, notadamente nos Estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará. A dinâmica migratória no Nordeste tem feito com que alguns autores, nascidos em certos Estados, vivam e façam obras em outros. É o caso de Rodolfo Coleho Cavalcanti, nascido em Rio Largo, Alagoas, mas tido como o maior dos poetas populares da Bahia; Manoel d’Almeida Filho, que saiu da Paraíba para morar em Sergipe, onde compôs e editou sua vasta folheteria; ou ainda José Pacheco, natural de Pernambuco, famoso em Alagoas, além dos geniais Leandro Gomes de Barros e João Martins de Ataíde, que nasceram na Paraíba e viveram e morreram em Pernambuco. O folheto de Cordel começou a ser impresso, segundo Luiz da Câmara Cascudo, por volta de 1840. Em Pernambuco, um certo Padre Lemos reimprimia, nos anos de 1860, as histórias populares, que o folhetim do jornal O Liberal, do Recife, considerava “Textos que não têm rivais, não sofrem paralelos, são obras primas que ainda hoje (1869) causam êxtases a quem os lê.” Dentre os textos citados estava A História da Donzela Teodora, que nas décadas seguintes continuava como um dos folhetos mais populares do Brasil, como afirma Silvio Romero, no seu livro pioneiro Estudos sobre a Poesia Popular do Brasil, publicado em 1888, reunindo textos da década anterior. O folheto mereceu, sempre, o destaque pela sua circulação, como diz Cascudo no seu Os Cinco Livros do Povo. Nos anos de 1910, o Padre Cícero Romão Batista publicou nas páginas do seu jornal, O Rebate, editado no Juazeiro do Norte, Ceará, diversos folhetos de Leandro Gomes de Barros e de Pacífico Pacato Cordeiro Manso, ao mesmo tempo em que tais estórias eram editadas e corriam o Nordeste em busca dos leitores. A distribuição dos folhetos era feita através de revendedores, nas cidades mais importantes da região, ou seus autores vendiam, diretamente ou através de vendedores, nas feiras livres e nos mercados. No Recife, João José da Silva vendia os seus próprios folhetos e os dos outros autores, na Banca do Mercado São José; em Alagoas, “seu” Artur, tido como genro do poeta José Pacheco, tinha sua Barraca nas cercanias do Mercado de Maceió; em Aracaju, durante muitos anos, Manoel d’Almeida Filho vendeu folhetos numa banca posta na calçada do Mercado Velho. Ainda hoje, João Firmino Cabral, poeta e vendedor de folhetos, tem ponto fixo no interior do velho Mercado. O folheto mudou em sua forma de apresentação, com a evolução do parque gráfico, e também com o novo layout, dado em São Paulo, onde cresceu o formato, recebeu capa de verniz e capas desenhadas. Não perdeu, contudo, sua importância como meio de comunicação, abarcando os assuntos do dia, numa espécie de jornalismo em verso, fixando a notícia para sempre, diferentemente do jornal, que envelhece, diariamente, seu noticiário. Os temas históricos, vinculados a ciclos heróicos, continuam inspirando os poetas, formando um corpus genuíno que guarda tradições também recorrentes nos romances e nos contos populares. A coleção Clássicos do Cordel reúne 10 dos mais conhecidos e lidos folhetos, de autoria dos poetas mais festejados. São eles: Antonio Conselheiro – O Santo Guerreiro de Canudos, de autoria de Rodolfo Coelho Cavalcanti (1919 – há quem anote 1917 – 1986) O folheto é de 1977. História da Donzela Teodora e O Soldado Jogador, ambos de autoria de Leandro Gomes de Barros (1865-1918). A obra do grande poeta paraibano, com sua morte, ficou com o genro Pedro Batista, mas em 1921 foi vendida a João Martins de Ataíde, que continuou editando os principais folhetos, e que em 1949, por motivo de doença, cedeu a José Bernardo da Silva, que continuou as edições, continuadas pelas filhas do poeta e editor cearense, estabelecido no Juazeiro do Norte. As Proezas de João Grilo, de autoria atribuída a João Martins de Ataíde (1880–1959). João Grilo é o personagem sagaz, capaz de resolver enigmas e dar solução a qualquer problema. Ariano Suassuna o colocou no Auto da Compadecida. O Interrogratório de Antonio Silvino, de autoria de Francisco das Chagas Batista (1882–1930). Viagem a São Saruê, de autoria de Manoel Camilo dos Santos (1905-1987). O folheto, escrito provavelmente em 1947, “fácil, fácil, em menos de duas horas, quase em cima do joelho”, como disse o seu autor em entrevista a Orígenes Lessas, revisita o tema medieval da Cocanha, com rios de leite, ribanceira de coalhada, fonte da eterna juventude e outras promessas de vida farta, sem trabalho. Peleja do Cégo Aderaldo com Zé Pretinho, de autoria de Firmino Teixeira do Amaral. Nada se sabe sobre o autor, além de que nasceu entre o Maranhão e o Pará e que morreu em Parnaíba, no Piauí. O folheto tornou conhecidos os trava línguas da paca. As Grandes Aventuras de Armando e Rosa, conhecidos como Coco Verde e Melancia, de autoria de José Camelo de Melo Rezende, tido apenas como José Camelo, nascido no final do século XIX e que faleceu por volta de 1964. A Chegada de Lampião no Inferno, de autoria de José Pacheco da Rocha, dito José Pacheco. Não há informação sobre datas de nascimento e morte. As Perguntas do Rei e as Respostas de Camões, de autoria de Severino Gonçalves de Oliveira, poeta e xilógrafo nascido no Ceará e assassinado em Gravatá, Pernambuco. Camões, como João Grilo, faz da sagacidade a marca de sua existência e fama, nos embates com o Rei. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.
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