Como percebemos a surdez? (*)

De vento em popa o projeto social “Contadores de Estórias para o Mundo do Silêncio”, chegou a sua etapa final. Esse projeto que inicialmente parecia ser muito simples e pouco desafiador, ao seu final permitiu que: 1º – nós percebêssemos que, nem sempre a maneira que organizamos os processos é a que irá trazer os melhores resultados e que, muitas vezes, é preciso ter bastante flexibilidade para chegarmos ao objetivo desejado; 2º – talvez o mais importante, a surdez ainda é um processo muito difícil de ser compreendido por aqueles que ouvem, em sua maioria. Portanto, o “mundo do silêncio” ainda é um grande paradigma para aqueles que ouvem e que, por algum motivo, não possuem contato com surdos.

O projeto social “Contadores de Estórias para o Mundo do Silêncio” foi selecionado através do edital nacional do BNB/DNDES e tem por objetivo preparar pessoas de terceira idade para que aprendam a linguagem de LIBRAS e a arte de contar estórias e, a partir dai, passem a trocar experiências e contar estórias para surdos. Como um diferencial, a ideia é que os participantes possam utilizar esse aprendizado como uma forma de aumentar a sua renda.

Numa das oficinas da etapa final o Instrutor Diego, resolveu apresentar um filme que contava as experiências de um jovem surdo em uma época na qual a família recebia uma orientação bastante diferente de como tratar esse problema. Quando foi aberto o momento para o debate, depois do filme, percebi como a maioria de nós só consegue vislumbrar o problema pela nossa consciência de ouvintes. Daí lembrei-me do que jovens surdos participantes de outro projeto social da FBC apresentavam como dificuldades:

1º – A maior delas está no próprio ambiente familiar. Muitos pais e familiares não aceitam ter um surdo na família, pois se sentem inferiorizados. Como resultado, muitas famílias segregam os seus surdos e quase não convivem com eles; por outro lado, muitos surdos ao se sentirem segregados se isolam ou se tornam agressivos.

2º – Muitas vezes, quando estão em ambientes abertos, tipo shoppings ou lanchonetes os jovens percebem que muitas pessoas os observam de maneira crítica, sendo que algumas vezes são imitados de forma grotesca por conta da linguagem dos sinais.
3º – Muitas pessoas, por não entenderem a língua dos sinais, acreditam que os surdos não podem ocupar funções de maior especialidade, pois não têm capacidade para isto.
4º – por outro lado, muitos pais, de famílias de menor renda não querem que os filhos trabalhem para que não percam o seu benefício do INSS. Com isso são os maiores incentivadores para que os seus filhos não trabalhem.
Mas, voltando ao projeto social Contadores de Estórias, ao terminar a apresentação do filme os instrutores abriram para o debate. E foi nesse momento que percebemos o quanto essas pessoas poderiam estar realmente ajudando a fazer essa diferença. 

Todavia, a primeira vez que consegui realmente ter uma rápida experiência do que seja a surdez foi durante uma conversa que tive com a Profa. Vanda, que naquela ocasião era membro da diretoria do IPAESE. Nessa reunião para me explicar a surdez da forma mais clara e simples ela começou a falar, mas não emitia nenhum som com a sua voz. Pela expressão da minha face ela viu que eu estava realmente assustado. Em seguida ela me perguntou: “Já pensou Fernando, um jovem surdo em uma sala de aula e o professor explicando matemática? Como se sentirá esse jovem sem entender nada do que está sendo falado e explicado?”.

E essa é a questão mais simples. Os surdos de um modo geral possuem um vocabulário limitado, não sabem conjugar verbos e, por esse motivo, utilizam os sinais e a expressão do rosto para exprimir a sua fala. Considerando-se isto, como base de tudo, como vamos querer que essas pessoas fiquem em salas de aulas, mesmo com intérpretes, e consigam acompanhar as aulas, se relacionar com os seus colegas de sala sem que sintam uma grande diferença? E, consequentemente comecem a pensar que, realmente, são fora do contexto?

Talvez nenhum de nós tenha pensado nisto. Mas os surdos enfrentam tantos problemas que, a maioria de nós, nem imagina que isso aconteça. Mas, a maior dificuldade, talvez seja que queremos resolver os problemas de maneira lógica, da mesma forma que os resolvemos no passado quando os surdos não se expressavam e tinham medo de se colocar. Não seria interessante agora ouvirmos a opinião deles? Saber o que eles acham da inclusão dessa forma? Que tal exercitarmos um pouco da chamada democracia que tanto ouvimos?

(*) Fernando Viana
wwwfbcriativo.org. br

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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