Compatibilização do Plano Diretor com o sistema jurídico municipal

Da mesma forma que a Constituição Federal é a base de todo o sistema jurídico brasileiro, a Lei Orgânica Municipal (LOM) é o pilar do sistema jurídico municipal. Assim, todas as demais normas municipais, incluindo o plano diretor, devem observar a LOM.
A LOM de Aracaju é de 1990, tendo sofrido alterações pontuais em 2010, onde foi diminuído o quórum para votação da revisão do plano diretor; retirada a exigência de prévio plebiscito para aprovação de Projetos de Lei que representassem modificação de uso do solo e alterado o prazo para revisão do plano diretor (arts. 214, V e 222).

Uma sincronização necessária
A LOM de Aracaju é extremamente analítica e, em mais de 100 artigos (artigos 174 a 286), regulamenta matérias que deveriam ser tratadas pelo plano diretor. Isto gera a necessidade de ser discutida juntamente com o Novo Plano Diretor, vez que existindo duas normas distintas tratando sobre o mesmo tema, uma no Plano Diretor e outra na LOM, valerá esta, tornando-se inócuas as normas constantes daquele.
Como exemplo, pode-se citar o coeficiente único de aproveitamento, estipulado em 3 na LOM (art. 199, §1º), com exclusão de áreas garagens  e em 2, na proposta do Novo Plano Diretor, sem exclusão de área nenhuma (Arts. 111, §1º).
O solo criado, assunto que será discutido de forma mais aprofundada posteriormente, é flexibilizado de forma perigosa em sua utilização e tem sua finalidade distorcida pela LOM, que prevê a cobrança de valores inexpressivos, com destinação para um “fundo de áreas verdes”.
Segundo o artigo 204 da LOM, o tal fundo de “áreas verdes” “tem o objetivo de adquirir terrenos destinados à implantação do Sistema de Áreas Verdes do Município, visando dotar a coletividade de um maior equilíbrio de áreas verdes públicas na zona urbanizada”, ou seja, permite-se o solo criado, com edificações ultrapassando-se o coeficiente de aproveitamento 3, o que já aconteceu e continua acontecendo, com sobrecarga da infraestrutura do município (drenagem, esgotamento, etc) para uma suposta implantação de áreas verdes públicas.

Uma Legislação ultrapassada
A Lei Orgânica de Aracaju tem mais de 20 anos e deve sofrer alteração também para, em relação à política de desenvolvimento urbano, não ingressar na esfera de competência da União, a quem compete o estabelecimento de diretrizes gerais, já traçadas pelo Estatuto da Cidade e também não entrar em meandros específicos, haja vista que para isto existe o plano diretor e os códigos que regulamentam este.
Dispositivos importantes que devem permanecer na LOM são os que tratam do conteúdo mínimo do plano diretor (artigo 211), destacando-se principalmente a alocação de recursos financeiros para a consecução dos objetivos estabelecidos e diretrizes específicas (art. 214).

Um paradoxo
Dentro das diretrizes específicas, destaca-se a definição das zonas de expansão urbana, papel do plano diretor, e que mostra a necessidade de se reavaliar nossa atual e única Zona de Expansão, que contraditoriamente, é também, pelo atual plano diretor, uma zona de adensamento restrito.
Como algo planejado para sofrer expansão, ou seja, adensamento populacional e construtivo pode ser, ao mesmo tempo, uma área restrita para esse adensamento, vez que não tem infraestrutura para suportá-lo e é uma área vulnerável ambientalmente? Esta resposta é dada através dos problemas de saneamento expressivos na referida área e, de forma mais notória, através das enchentes que ocorrem toda vez que chove em nosso município.
Para agravar esta situação, a proposta do Novo Plano Diretor deixa esta contradição em seu texto, mantendo a atual área da Zona de expansão, que assim é delimitada desde 1982 (art. 31, §2º), mas reconhecida expressamente como uma zona de adensamento restrito: “Consideram-se Zonas de Adensamento Restrito as que apresentam padrão de ocupação disperso e descontínuo, com acentuado “déficit” de infraestrutura e serviços urbanos” (art. 158), cuja diretriz principal é garantir que o adensamento somente ocorra se primeiro houver instalação de infraestrutura e de serviços urbanos (art. 159, I).

Existe uma Região Metropolitana de Aracaju?
Outro ponto importante previsto na LOM é a necessidade de compatibilização com o planejamento da região metropolitana (art. 213), pois as fronteiras geopolíticas de Aracaju há muito foram ultrapassadas, vez que o complexo Taiçoca em Nossa Senhora do Socorro (Conj. João Alves, Fernando Collor, Marcos Freire, etc) e os Conjuntos Rosa Else e Eduardo Gomes, são, em verdade, verdadeiros bairros de Aracaju que levam demanda por serviços e infraestrutura pública para outros municípios sem a necessária contrapartida.
Com a recente interligação do município de Aracaju com a Barra dos Coqueiros, através de uma ponte, verificou-se o mesmo fenômeno expansionista naquele município, que somente não foi mais agravado em função das limitações contidas no plano diretor da barra.
A criação da Região Metropolitana de Aracaju é importante para a administração e discussão desses problemas decorrentes do crescimento dos municípios de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Socorro e São Cristóvão, e desta forma, foi prevista na Constituição Estadual, Leis Complementares Estaduais 25/95  e 86/2003, Lei Estadual 5.355/2004, Decreto Estadual 22.646/2003, mas, precisa ainda ser ratificada pelos municípios da RMA para existir juridicamente, o que não aconteceu ainda. Ou seja, existe uma Região Metropolitana de fato, mas não de direito.
A criação da Região Metropolitana foi objeto de ação na Justiça Federal, onde se discute o problema dos resíduos sólidos da referida área, mas o Estado de Sergipe alegou nos autos que, contraditoriamente, o próprio município de Aracaju foi responsável pela não da criação da RMA:

“A ausência de comparecimento e adesão do Município de Aracaju impedem o cumprimento da obrigação do Estado de instalar a região metropolitana, na medida em que o Decreto Estadual Regulamentar de nº 22.646/03, estabelece nos termos das Leis Complementares Estaduais, a necessidade de criação de um Órgão Colegiado com a participação de todos os Municípios da Região Metropolitana, bem como a ratificação pelas respectivas Câmaras de Vereadores Municipais da implantação da Região Metropolitana […]” (2003.85.00.003380-1, p.925).

Uma discussão popular necessária
A LOM, ao contrário do plano diretor que teve seu processo legislativo simplificado, deve ser votada em dois turnos e precisa de 2/3 dos votos do total de Vereadores para ser modificada (artigo 13 da Constituição Estadual) e também, juntamente com o Novo plano Diretor, precisa ser discutida, inclusive com a participação da população, para se adequar às atuais necessidades da população Aracajuana.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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