Repercutiu positivamente em Sergipe a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um recurso interposto pelo Estado de São Paulo, revisou a sua jurisprudência anterior para afirmar que “o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previstas em edital possui direito líquido e certo à nomeação” (Recurso em Mandado de Segurança nº 20.718, Relator Ministro Paulo Medina). Como é sabido, o ingresso em cargo ou emprego público depende, em regra, de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos (Art. 37, inciso II da Constituição Federal). Todavia, o sistema jurídico brasileiro não contém norma expressa que garanta o direito à nomeação dos candidatos aprovados no concurso público, ainda que dentro do limite das vagas ofertadas no edital. Por conta disso, durante muito tempo predominou o entendimento jurisprudencial segundo o qual a aprovação em concurso público não gera o direito à nomeação, configurando tão somente expectativa de direito. Mais ainda: o direito à nomeação somente poderia ser exigido pelo candidato aprovado no concurso público em caso de demonstração de desobediência à ordem de classificação.[1] Ocorre que essa postura jurisprudencial já vem sendo revista, há algum tempo, pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário Nacional[2], e agora chega ao Superior Tribunal de Justiça, que acolheu, pelo menos, a tese do direito à nomeação dentro das vagas previstas no edital do certame. É, sem dúvida alguma, uma notícia animadora, e que bem demonstra a força renovadora da jurisprudência, a partir da insistência dos cidadãos e de advogados que ousam desafiar a interpretação dominante – quando entendem que ela traduz injustiças – e apresentar seus pleitos nos tribunais mesmo diante de previsível insucesso. O Relator do citado recurso, Ministro Paulo Medina, destacou em seu voto que A partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover 98 (noventa e oito) vagas de Oficial de Justiça, o que seria, a princípio, um ato discricionário, torna-se um ato vinculado para o poder público, ensejando, em contrapartida, direito subjetivo à nomeação e à posse, para os candidatos aprovados e classificados dentro do número de vagas previstas no edital (grifos nossos). Convém registrar, porém, que esse ainda não é o entendimento que prevalece no âmbito do Supremo Tribunal Federal. As mais recentes decisões da Suprema Corte nessa matéria, embora reconheçam que a tese do direito à nomeação (ao menos dentro do limite de vagas disponibilizadas no edital) representa significativo avanço no campo da moralidade, são no sentido de que a nomeação ou não do candidato aprovado em concurso público se encontra na esfera da discricionariedade administrativa[3]. Confira-se: “Texto normativo que assegura o direito de nomeação, dentro do prazo de cento e oitenta dias, para todo candidato que lograr aprovação em concurso público de provas, ou de provas de títulos, dentro do número de vagas ofertadas pela administração pública estadual e municipal. O direito do candidato aprovado em concurso público de provas, ou de provas e títulos, ostenta duas dimensões: 1) o implícito direito de ser recrutado segundo a ordem descendente de classificação de todos os aprovados (concurso é sistema de mérito pessoal) e durante o prazo de validade do respectivo edital de convocação (que é de 2 anos, prorrogável, apenas uma vez, por igual período); 2) o explícito direito de precedência que os candidatos aprovados em concurso anterior têm sobre os candidatos aprovados em concurso imediatamente posterior, contanto que não-escoado o prazo daquele primeiro certame; ou seja, desde que ainda vigente o prazo inicial ou o prazo de prorrogação da primeira competição pública de provas, ou de provas e títulos. Mas ambos os direitos, acrescente-se, de existência condicionada ao querer discricionário da administração estatal quanto à conveniência e oportunidade do chamamento daqueles candidatos tidos por aprovados. O dispositivo estadual adversado, embora resultante de indiscutível atributo moralizador dos concursos públicos, vulnera os artigos 2º, 37, inciso IV, e 61, § 1º, inciso II, c, da Constituição Federal de 1988. Precedente: RE 229.450, Rel. Min. Maurício Corrêa.” (ADI 2.931, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 24-2-05, DJ de 29-9-06); “Candidatos aprovados em concurso aberto para provimento de procurador do DNER e demais órgãos da administração direta, autárquica e fundacional. Pretendida nomeação para o INSS, em face de abertura de concurso para provimento de cargos de procuradores autárquicos, dentro do prazo de validade do primeiro concurso. De acordo com a norma do inciso IV do art. 37 da Constituição Federal, a abertura de novo concurso, no prazo de validade de concurso anterior, não gera direito de nomeação para os candidatos aprovados no primeiro, mas apenas prioridade sobre os novos concursados.” (RMS 22.926, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 2-12-97, DJ de 27-2-98); “A aprovação em concurso não gera direito à nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito somente surgirá se for nomeado candidato não aprovado no concurso ou se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação do candidato aprovado.” (MS 21.870, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 7-10-94, DJ de 19-12-94). No mesmo sentido: AI 452.831-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-2-05, DJ de 11-3-05; RE 421.938, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-06, DJ de 2-2-06 (grifos nossos). Esse recentíssimo julgamento do Superior Tribunal de Justiça pode impulsionar alguma mudança de interpretação da matéria por parte do Supremo Tribunal Federal. É que o Estado de São Paulo – vencido no recurso do STJ – certamente recorrerá, oportunidade em que a Suprema Corte poderá refletir mais uma vez sobre o tema e, quem sabe, abraçar a nova tese, consagrando em definitivo a renovação jurisprudencial alvissareira. [1] Súmula nº 15 do STF: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. [2] Por exemplo, assegurando o direito à nomeação nos casos em que há prova objetiva da necessidade de provimento do cargo para prestação do serviço público (como nos casos de contratação temporária de servidores para exercer atribuições próprias do cargo para o qual existem candidatos aprovados em concurso público cujo prazo de validade não se expirou, ou ainda a contratação de empresa para prestar os mesmos serviços). [3] “(…) Fala-se em discricionariedade administrativa quando a disciplina legal faz remanescer em proveito e a cargo do administrador uma certa esfera de liberdade, perante o quê caber-lhe-á preencher com seu juízo subjetivo, pessoal, o campo de indeterminação normativa, a fim de satisfazer no caso concreto a finalidade da lei” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 845).
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