Cristais despedaçados inutilmente?

A grande imprensa nacional estava louvando uma nova era. O país estava crescendo depois que “o quisto cancerígeno das ‘pedaladas ficais’ fora extirpado sem anestesia”.

Se houve dor, sentira apenas quem a mereceu: “o ‘lulopetismo’, este desastre acontecido que mascarara tempos de fruição e delírio”.

A Presidente Dilma Rousseff fora banida como exemplar expiação de seus próprios erros:

  • 1. Ousou reduzir o preço da luz elétrica, que ninguém pediu nem satisfez.
  • 2. Descontou IPI para automóvel de abastados e eletrodomésticos para remediados, entre muitas renúncias fiscais estroinas.
  • 3. Excessiva complacência com o empresariado sanguessuga de todos os veios do erário.

E com isso faltou dinheiro ampliando o déficit público com queda na arrecadação.

Como tudo tinha sido saneado  pelo reverberar da notícia do governo Temer, estávamos agora vivendo um período exemplar após traumático processo parlamentar de impeachment.

Dizia-se que o país finalmente tomara juízo se libertando daquele governar pernicioso.

O novo governo estava a reger um momento auspicioso.

Tínhamos agora um Presidente notável, um congressista de longa jornada cujo vocabulário em expressiva colocação pronominal prometia uma nova era dourada.

Todavia, a despeito de tanta propaganda televisiva, o azinhavre está a corroer o cobre que se fingia de ouro.

E porque muitos estão infelizes agora, o povo sai as ruas quebrando vidraças, como se fora vandalismo.

Vandalismo, chamara-se assim a ação dos Vândalos, aquele povo bárbaro alemão que na ânsia de destruir toda uma civilização romana, invadia as terras da Andaluzia espanhola devastando monumentos públicos, obras de arte, toda criação cultural de sua aversão.

Vandalismo chamara-se também a ampla depredação dos objetos do clero e da nobreza francesa, por conta das ações dos “sans-culottes enragés”, em manifestações ruidosas de nova cidadania no desenrolar dos feitos terríveis sucedâneos da Revolução de 1789.

Vandalismo que também ocorreu na Rússia Soviética logo após a Revolução de 1917 e o consequente assassinato da família imperial.

Túmulo do General Charles De Gaulle, em Colombey-Les-Deux-Églises vandalisado na semana que passou. A Cruz que ornava o jazigo foi quebrada. Ver na foto da esquerda.

Vandalismo que aconteceu agora, no cemitério de Colombey-les-Deux-Églises, quando o túmulo do General De Gaulle foi violado e depredado, sendo quebrada a cruz que o ornava. Um jazigo simples, sem qualquer destaque daquele que em vida foi o último herói francês.

Vandalismo que estão a denunciar na destruição de vidraças na esplanada dos ministérios em Brasília por uma multidão inconformada com tudo o que se vê ali, e sobremodo na Praça dos Três Poderes, onde os órgãos se arregimentam para solapar as conquistas da classe trabalhadora.

Alemães enfurecidos depredam lojas dos judeus na famosa noite dos cristais (Kristallnacht), em 9 de novembro de 1938.

Vandalismo que ali não é, e que também difere daquela acontecida na “Kristallnacht” de 1938 na Alemanha de Hitler por fúria antijudaica.

Se não há diferença entre o som do vidro quebrado lá e cá, culpe-se a motivação e a inspiração.

Ali o motivo era pura alucinação, loucura mesmo.

Aqui a fúria é derivada da frustração da população, que enlouquece diante de sua impotência, enquanto cidadania esbulhada e violentada perante o chicote que a açoita, e o aguilhão que a ferroa.

Foi-se o tempo em que o cidadão comum exercia seu descrédito no focinho do parlamentar marginal à bengalada.

Quem não se lembra do Ex-Ministro José Dirceu agredido à bengalada por um velho enlouquecido?

Não foi terrível, um gesto tresloucado, mas sintomático, da necessidade de uma chamada aos freios na busca da seriedade?

Agora, com tanto congressista a merecer paulada, na impossibilidade de alcança-los, a multidão prefere-se quebrar vitrines.

Por que tanto ódio às vitrines?

Logo elas que nada escondem e tudo desvendam?

Não estará havendo um excesso de anarquia em tanta falta de coragem cívica?

Uma degradação, é verdade! Uma demonstração de fraqueza moral, sobremodo.

Mas, quem irá ousar lascar o relho no todo potente deputado, ou senador, ou vereador, estes que estão alforriados para enganar e transigir impunemente, e que se escondem ao amparo das forças armadas para melhor receber vários milhões em “caixa-dois”, ou três, ou quatro, … com aquele dinheiro bom, que vem por mala, em espécie e aos milhões, sem ônus, nem custo, nem inconveniências fiscais?

Lascar o relho? E isso é tempo de chicotear malfeitor?

É preciso tratá-lo com carinho e deferência!

Se estão a errar, que se lhes deem o benefício da dúvida a procrastinar apurações, e até a capacidade de regenerá-los com novos mandatos!

Não está funcionando assim, inclusive com o Presidente da República grampeado em acordo inimaginável perante a sacralidade da sua mandatária função?

Estou errado no meu pensar, eu que não quebrei vitral, mas ali não achei um gesto criminal?

Estamos todos sem razão nessa terra de tanta insatisfação?

Não está havendo poucas bengalas em suficiência para tanto merecimento, ou o povo deve restar inerte diante de tantos desmandos?

Não se está em desengano pior, agora que se descobriu a pedra angular do progresso nacional, “pejotizando o trabalhador” e retirando-lhe as benesses de uma velhice tranquila?

Logo por um Congresso que bem mereceria ser urgentemente des-convocado, via novas eleições gerais?

Será isso golpismo? Uma temeridade? Violar a Constituição assim?

Não foi mais gravoso o golpe parlamentar que apeou uma Presidente eleita em maioria absoluta, por crime de responsabilidade, tão nebuloso, verboso e manhoso, conciliábulo ideal para a sangria de um bode expiatório necessário, via pedaladas indecorosas?

Seriam tais pedaladas mais ardilosas que as conversas audaciosas do Presidente Temer?

Logo uma conversa inocente entre dois amigos, quase à meia-noite, sem soturnez ou malícia, sem estultícia, impudicícia ou improbidade?

E sem qualquer imperícia pedalar, frisam à sofreguidão, para que nada seja alterado quanto às “reformas que irão desenvolver o país”?

Não está nestas duas pedras lapidares, a “pejotização do trabalhador” e a intranquila aposentação dos velhos, o concerto nefasto para o cometimento de crimes contra a classe obreira por um Presidente e um Parlamento que agora, no afã de executarem pior sua missão, e ao desapreço geral, estão querendo se sustentar na força das armas; tudo norteado na premissa de que a maioria não sabe escolher, e a democracia não deve ser para todos?

E nestes vidros quebrados, não estamos reeditando como farsa novas “noites dos cristais”, em prévias radicais e atrabiliárias, agora como sequência de golpes parlamentares dados por um Congresso que se deslegitima a cada denúncia premiada?

Creem-se o Executivo, o Legislativo e até o Judiciário bastiões incólumes a toda e qualquer insatisfação popular, só porque uma Constituição existe para ser rasurada em desfavor do povo?

Por acaso não conhecem as lições da História, quando os regimes impopulares não se mantêm, mesmo ao império da lei, mas sob a força das baionetas?

Por acaso é uma boa lei, aquela que só se impõe no fogo e na metralha?

E uma Lei que se impõe assim merece o apreço geral e a reverência, sem que se quebrem vitrines nem cristais?

Eis muitas questões para reflexão neste “vandalismo de ocasião”, tão injustamente denunciado por espírito de inocência nada pueril.

E aí fica a pergunta final não de todo carbonária: estão estes cristais sendo despedaçados inutilmente?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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