O acervo cultural preservado, que é pequeno e insignificante, é maior do que as pe4rdas acumuladas ao longo do tempo. Um monumento, como uma igreja, uma casa senhorial de engenho, resiste como um retrato do passado, motivo de admiração. O fazer do povo, no entanto, não é conservado e quando sobrevive uma ou outra linguagem, como é o caso do folclore, é debaixo de grandes dificuldades. As oficinas, com seus produtos, desapareceram, na voracidade do tempo, sem deixar rastros além das lembranças de cada um.
Lagarto foi um pólo de calçados, irradiado para outras cidades, como Boquim, Tobias Barreto e, de certo modo, Simão Dias. Hoje, o que resta das selarias, dos uniformes de couro, dos adereços dos vaqueiros? Pouca coisa, quase nada. O que dizer, então, do fumo, modos de plantar, de colher, de preparar as “bolas” para o consumo, nos modos diversos. Cadê os doces (incluindo o de Pimenta), a maniçoba, o leite batido, os confeitos? E os bordados, nos diversos pontos, que fizeram deles? No Açuzinho, Dona Raimunda resiste, com um grupo de mulheres que alternam o trabalho do campo com o traçado colorido das linhas no linho branco das toalhas, lençóis e panos de mesa. Há, portanto, um mundo perdido.
O folclore de lagarto, pesquisado por Silvio Romero, deu luzes de reconhecimento das festas populares, como se vê em Melo Morais Filho, que registra a Taieira lagartense, na festa de Nossa Senhora do Rosário. As estrofes e o estribilho da dança ficaram conhecidos pela voz de Baiano, em gravação da Casa Edson, do Rio de Janeiro, no princípio do século XX.
Foi a primeira vez que um fato folclórico – a Taieira de Lagarto – mereceu gravação comercial, com o título de LUNDU DO NORTE, o que não foi pouco. Os Cantos e Contos coligidos por Sílvio Romero ganharam o País em edições de livros, ainda hoje comuns. Lagarto, com seus grupos folclóricos, seu repertório variado e múltiplo, deu uma contribuição imensa ao aporte do cultura do povo brasileiro. Hoje, lamenta-se a morte de João Chorão e de Terreno, chefes das bandas de Zabumba, Zé Padeiro, do grupo de Cangaceiros, Paulo, da Chegança, entre outros que não deixaram sucessores. E Rubem, e outros abnegados que davam suporte às manifestações populares?
Com certeza foi arrolando tais perdas do passado, que um grupo de intelectuais locais, formado sob a liderança de Claudefranklin Monteiro, Floriano Fonseca, Assuero Cardoso, Emerson Carvalho, Patrícia Monteiro, Mariana Emanuelle, Angêlica Amorim, José Uesele, Renato Araújo, Danilo Santana, Lucas Brasil e Rusel Barroso, resolveu criar um Núcleo de Saber Local, assumindo uma leitura coletiva da história, da literatura, da cultura lagartense, como um compromisso capaz de restaurar as fontes, ordenar as informações, processar e organizar a memória do que passou, em homenagem ao futuro e aos que virão dar continuidade à vida no torrão que serve de berço.
Lagarto conquistou a glória intelectual pela obra dos seus filhos, sem evocados como exemplo de permanente vigência. Silvio Romero, Laudelino Freire, Aníbal Freire da Fonseca, Ranulfo Prata, Abelardo Romero, são nomes destacados no País, pela contribuição que cada um, em seu campo de atuação, legou às novas gerações de brasileiros e de sergipanos. Nem sempre, no entanto, a fama conquistada fora chegou ao conhecimento local. Na atualidade, pessoas nascidas em Lagarto cuidam do folclore sergipano e contribuem, com seus escritos, para a interpretação dos fatos sociais populares, como Aglaé Fontes e Beatriz Góes Dantas, que são mestras no melhor sentido das palavras e às quais faço reverência, com o pouco que contribuo, como conterrâneo e admirador.
O Núcleo de Saber Local, criado em 20 de setembro de 2011, é um Grupo plural, que comporta historiadores, poetas, críticos, pedagogos, além de pessoas sensíveis para com as coisas da cultura, com o objetivo principal de resgatar o que ainda não foi perdido, recuperar o que for possível do passado, e monitorar o cotidiano da vida social contemporânea. É, em suma, um exercício da mais autêntica cidadania, aquela que fornece, no cotidiano da vida, a identidade. Claudifranklin Monteiro e Angélica Amorim, por delegação dos seus pares, são os coordenadores do Grupo, responsável pelo chamamento dos demais intelectuais, professores, estudantes, para a tarefa viscosa da cultura.