Da Igreja e das Jornadas de Junho-Julho.

Agosto, mês de desgosto, era assim que se falava no meu tempo de criança. Por quê? Nunca soube! Talvez uma mera rima.

Verso ou não, em 24 de agosto de 1954 suicidara-se Getúlio Vargas. Um dia que não me sai da memória porque fora decretado feriado escolar, salvo engano por três dias, e as aulas foram suspensas.

Agosto ficara então como uma espécie de tempo perigoso para a política brasileira em golpes e contragolpes, muitas conspirações de uma democracia frágil, oscilando ao sabor de uma imprensa alarmista a maximizar escândalos com adjetivação tão sinistra quão irresponsável.

O mês de desgosto deixara este misto doentio de instigar a fúria colérica dos políticos, que se enlouqueciam como caninos nos jornais e revistas de então, cuja opinião se não conquistava votos nem alinhava seguidores para vencer uma eleição, pelo menos agitava e derrubava qualquer pleito.

Mas se agosto restara este “mês de cachorro louco”, novembro era o das insurreições e derrubadas: Proclamação da República, com deposição de Pedro II (1989); Revolta da Armada, contra Deodoro (1891); Revolta da Vacina, contra a Ciência (1904); Revolta da Chibata, contra o autoritarismo na mesma Armada (1910).

Golpes de estado para subida e descida de Getúlio Vargas entre outubro e novembro de 1930, com os cavalos gaúchos revoltados e amarrados no obelisco carioca, e depois em 1945, sem grito, trote ou relincho, nem toada de muriçoca.

Pororoca tentativa de intentona comunista ou desdita Revolta Vermelha de 1935, sobretudo porque rolou muita zoada e outras ameaças veladas em 1937, com o Plano Cohen à frente, e até o golpe preventivo do General Lott, para validar uma eleição, dando posse a Juscelino Kubistchek (1955).

Depois veio a renúncia de Jânio Quadros no fatídico agosto de 1961.

E assim por diante a cada comemoração do dia do soldado em 25 de agosto, oportunidade de confraternização de nervosas vivandeiras nos bivaques de fogosos granadeiros, derrubando e entronizando Presidentes, tudo o que Caxias não ousara.

Neste ano porém, agosto ficou sem ousadia, e o povo tão aguerrido nas jornadas juninas e julianas de vésperas, parece se refestelar fatigado e fastidioso, enfarado das manifestações ruinosas perdidas nas antevésperas, sem ousar reivindicar algo e sem requisitar mudanças.

E pela calmaria da amnesia atual, parece que não aconteceu nada e o quebra-quebra anestesiou o gigante novamente, sempre impotente e indolente em se fazer ciente e diligente.

Porque o país restou pior; depredando tudo, desrespeitando contratos, imaginando ser possível dispensar o capital de risco, inviabilizar projetos, sem ver que o Estado, gastador perdulário, continua o paquiderme míope, estático e astigmático, incapaz de enxergar soluções em tantas ilusões contidas numa Constituição plena de benesses e intenções, onde qualidade duela com quantidade, ao parco abrigo de um cobertor estreito, perante tantos ao desabrigo, e chegando cada vez mais…

E por pior cerviz desta infeliz reincidência, reverbera-se no discurso expelido pelas novas gargantas, o velho ascarídeo e resistente lumbricoide, fomentado pelo oxiúro que coça e reforça por requebro de comichão.

Ou seja: sem combate e sem rebate, ressurgem a formiga saúva, os eternos cupins, a erva daninha quebra-bucho, e a velha lombriga comezinha que tanto atacara Jeca Tatu na ficção de Lobato.

Eis de volta o intenso flagelo ordinário do nosso comum bestiário enquanto país imenso já bem longe de se mostrar infenso ao seu senil infantilismo.

Infantilidade que agora se repica com a juventude do terceiro milênio, resistindo a qualquer vermífugo, desde os da ciência de Manoel Pirajá de Souza, entre tantos males tropicais e até os fortificantes, tipo Biotônico Fontoura, medicamentos do milênio que passou sem que os jovens os vissem, usassem ou conhecessem, mas que resistentes persistem; no mesmo erro nosso, enquanto pais.

E aí eu me incluo, porque contemplando tal decadência em minoria de lamento, prefiro continuar amando a vida, sem ceder ao desencanto e ao suicídio, diante de maré descabeçada que vê o Estado como o Leviatã capaz de tudo, este demiurgo gênio do mal que afirma poder plantar com fugacidade de sonho a colheita da realidade.

Pesadelo enrustido no velho discurso de demagogos e oportunistas, para quem democracia é passeata na rua, palavras insensatas urradas em exaltação digna da sarjeta, reivindicação plena de direitos, insubsistência racional de estudo e reflexão, total ausência de substância programática, excesso de improvisação e anarquia, verdadeiro carnaval ou micareme picareta fora de hora, onde valem qualquer máscara e coreografia, desde que sejam recusadas as obrigações, responsabilidades e compromissos, banidos os caprichos que requisitem o suor, o esforço e a pertinácia, e sejam requeridas apenas as fragrâncias risonhas, tão medonhas quão gasosas, como as flatulências gozosas, de toda reunião picaresca.

E assim passado o bloco, senão de sujo, mas picareta com certeza pelo protesto sabujo, eis a sabujice no remanso sem sentido, impensável perante tanta ira externada, que se vê agora com a inutilidade daquela algaravia contra tudo e contra todos.

Serviu para quê? Foi para isso que tentaram acordar o Brasil? Resolver tudo no grito no bodoque e por baldroca? Baldroca, que é logro, fraude e trapaça?

Que se esperaria desta trapaça, em desacerto de alvos e logros tão mal mirados, atirando-se a esmo tantos dardos e petardos, sem os recursos de retardos?

E a imprensa que tanto vibrou, enalteceu e entronizou heróis, por acaso gostaria de ver um retardo camicase, destrutivo por mais seletivo e objetivo, tão comum ao vandalismo refém de radicais em dupla sevícia, a quo, ou ad quem, ou em duplo desserviço de alguém, ou a ninguém por desinteresse particular?

Logo a imprensa que elogiara tanto aquela manifestação louca, só porque sinalizava uma queda nos índices de popularidade do governo federal, viu depois o dragão jogar fumos noutras bandas, sobrando para os governos estaduais, os legislativos e até a própria mídia, com seus veículos incendiados e seus repórteres ofendidos, algo impensável perante o estado democrático de direito e a livre manifestação opinativa!

Pois e! Eis aí o perigo da massa enfurecida, como bem explicitara Shakespeare em sua multidão protestando contra tudo e todos no velório de Júlio Cesar, que de roldão trucidou Cícero, um sábio, e Cina, um tolo e inocente poeta, o primeiro justiçado por sua cultura, e o outro por incultura, por cometer “maus versos”.

Reversos que me abrigam e afastam de qualquer proximidade de passeatas e manifestações ruinosas. Porque nas balbúrdias atrabiliárias, as massas, ditas e não tanto revolucionárias, prescindem dos sábios, se servem dos tolos e agem destrutivamente. Nada que mereça o meu concurso e aprovação.

Sou, portanto, um crítico destas manifestações deletérias.

Pertenço a esta minoria desprezada e odiada que não admira a desordem, seja ela promovida por entidade constituída estatutária e juridicamente, como os sindicatos profissionais nos seus recorrentes piquetes, quanto mais a comum bagunça liderada por associações de bairro, de moradores, aglomeração de amigos, entidades outras sem personalidade jurídica, sede ou patrimônio, como os autodenominados, MPL, MOTU, siglas não criminosas ainda por insuficiência de prova, mas já marginais por fomento e instigação do ilícito, cujos oradores falam no rádio, gritam na imprensa e posam na TV, com uma autoridade maior que os detentores dos poderes constituídos, emasculando deputação e edilidade, e todos temem desagradá-los mais que ao Bispo, e talvez até ao Papa, que nos visitou em pregação de ternura.

Cito o Papa, porque suas palavras pregaram o amor, a esperança e a luta, para evitar tal decaimento do homem, enquanto ser e criação divina.•.
Papa que empolgou gregos, persas e troianos, romanos, púnicos, macabeus, hunos e godos, muitos judeus em repiques de Aleluia, em tantos católicos não romanos, seja flamenguista ou tricolor, corintiano ou são-paulino; horácios, curiácios e outros pascácios, todos embasbacados com um Francisco, enquanto nova Igreja, aquela que ninguém quer para si em hábitos e costumes.

Porque Francisco foi embora, como o nosso saudoso Padre Pedro, tão esquecido e nunca imitado, com a sua batina surrada de sacerdote virtuoso, verdadeiro santo de nosso convívio terreno.

E Francisco nos deixou uma lição bem maior e que restou em pouco destaque, qual seja a da grandeza da Igreja de Cristo, ao longo dos séculos, com o seu caminhar nem sempre bem aceito diante de uma humanidade que perde a noção da comunhão dos Santos e dos pecadores que somos todos.

Porque se hoje é Francisco quem nos prega a humildade dos simples, ontem foi Bento XVI que falou às mentes dos doutos, ilustrados e cientistas do novo milênio em Ratio et Fides, anteontem foi João Paulo II que com o Rosário em punho venceu o totalitarismo de um comunismo ateu.

E outros, e outros, como João Paulo I, uma intenção apenas; Paulo VI, um Papa angustiado a conter a desarrumação pós conciliar de uma Igreja sem tonsura e sem batina, em meio a uma enxurrada de padres fugindo do celibato e largando a batina; João XXIII, aquele que ousara fazer o aggiornamento da Igreja, Mater et Magistra, com a introdução das línguas pátrias nas Missas e Sacramentos; Pio XII, um sábio incompreendido em meio a tantas tormentas de um tempo muito além do sombrio.

E os outros Papas mais distantes ousando repelir as trevas de sua circundância: Pio XI, Bento XV, Pio X, Leão XIII e a Rerum Novarum, Pio IX, com seu Ineffabilis Dei e o Syllabus, tão rejeitados…

Homens de muitos críticos, admiradores e seguidores, cujo julgamento só deve ser apreciado à luz do seu tempo e circunstância, afinal a História , quando queima etapas, mais das vezes degenera.

Igreja que bem operou por meio dos nossos pastores mais próximos, como Dom José Tomaz, um grande semeador de Padres e Bispos, país afora; Dom Fernando Gomes, o líder da Ação Católica aracajuana e que depois melhor se destacou como Arcebispo de Goiânia; Dom Távora, o homem do Movimento de Educação de Base, tão sofrido e perseguido no arbítrio militar equivocado.

Dom Luciano Duarte, inteligência lúcida e criativa a merecer um exclusivo parágrafo laudatório, por inigualável agitador cultural, enquanto fundador e inspirador da nossa Universidade Federal, da Prochase, única experiência católica de distribuição fundiária, num cenário contemplativo de usurpação e aridez.

Dom Luciano cuja inteligência, coragem e galhardia muita falta faz ainda a este Sergipe pequenino, como sacerdote ciente de sua fé, ou como cidadão responsável, sempre proficiente no múnus civil e no debate viril, sem ousar arrefecer da luta intelectual e filosófica, imensamente atacada, porque ousara ser semente e luz num tempo de muita sombra, tribulação e mediocridade.

Louvação que continua com os nossos atuais prelados, Dom Lessa e Dom Henrique, o primeiro já vitorioso no seu pastoreio, formando padres e bispos neste novo milênio, despertando a vocação sacerdotal nos jovens, e o segundo por sua bem fundamentada pregação analítica e exegética, exemplos de que a Igreja nos seus escalões maiores e menores continuará divulgando a Boa Nova, com os diversos carismas, uns convencendo os cérebros e outros conseguindo tocar as cordas do coração.

De modo que a presença de Francisco entre nós, muito mais do que revelar uma face nova da Igreja, desvela a eterna Igreja, Santa e Pecadora, em seus Pastores e dignos Ministros, afinal somente Ela, por ser divina e humana, sacia os corações sedentos de esperança, em palavras de Vida Eterna.

Neste Particular este despertar se faz notável num mundo descrente de tudo, sobretudo do transcendente e pouco palpável, afinal somos piores que Tomé, o discípulo que só acreditou no Cristo ressuscitado porque lhe apalpara as feridas.

Nós sempre exigimos bem mais que São Tomé. E a visita de Francisco, nos seus hábitos e gestos, parece nos dar esta certeza maior que a nossa incredulidade anseia.

Assim, das jornadas de Junho e Julho sobrou esta aragem plena pairando sobre a fúria louca das ruas, acalmando tudo, tentando pacificar a alma.

Que as ruas não se esqueçam do que realmente almejam e que conduzam sua fúria com ternura para a construção de um mundo melhor.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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