De jornalistas, cozinheiros e poetas

As redações da imprensa aracajuana de pouco mais de duas décadas atrás, dentre os indiscutivelmente bons, abrigavam trabalhadores que podiam ser chamados de qualquer coisa, menos de jornalistas. Havia o que andava com um gravador enorme debaixo do braço, pegando carona nas entrevistas com os políticos para, depois, entregá-lo a um coleguinha para transcrever a fita, porque ele mesmo não sabia transformar uma declaração em texto jornalístico. E havia o que, na cobertura policial, mal sabia copiar os precários boletins policiais.

Havia inúmeros absurdos como esses que o mercado depois tratou de depurar. Mas não haveria mão-de-obra qualificada disponível para a reposição e ampliação necessárias se não existissem os cursos superiores de jornalismo. Primeiro a Unit (na época ainda Faculdades Integradas Tiradentes) e logo depois a UFS, desde que começaram a colocar no mercado novos profissionais de comunicação, em meados dos anos 80, os cursos dessas duas instituições de ensino mudaram a face do jornalismo em Sergipe.

Os bons profissionais do passado, da época que ainda não havia curso de jornalismo, sobreviveram porque conquistaram o reconhecimento público, pelo que desempanham na profissão, e legal, através do provisionamento. Mas hoje as modernas redações são povoadas e em muitos casos comandadas por jornalistas oriundos dos cursos. Não é sem razão que três dos quatro jornais sergipanos têm como diretores de redação profissionais formados na universidade, inclusive este que assina esta coluna. E, até por exigência mercadológica, a qualificação não pára: muitos coleguinhas têm buscado cada vez mais os cursos de pós-graduação e dominar outra língua, além do português. A hora é de estudar, e estudar mais.

 

ESTE É UM ARGUMENTO QUE OS SENHORES MINISTROS do STF não observaram quando decidiram desregulamentar uma profissão por si só já desvalorizada: os cursos de jornalismo, que também existem para promover a pesquisa e provocar o debate, qualificaram e modernizaram a imprensa no Brasil, e essa mudança para melhor é mais visível longe do eixo Rio-São Paulo-Brasília. Principalmente longe da chamada grande imprensa, patrocinadora dessa ação que culminou com o julgamento do STF na quarta-feira. A grande imprensa, à frente a Folha de S. Paulo, defende que jornalismo não é função específica de jornalista, mas pode ser assumida por um médico, por um professor, por um ex-jogador de futebol…

Os ministros chegaram à conclusão de que a obrigatoriedade da exigência do diploma de jornalismo é inconstitucional porque fere a liberdade de imprensa e contraria o direito à livre manifestação do pensamento. Ora, então será mais livres para se expressar quem passar a atuar como jornalista, ao invés de colaborar com opiniões, comentários e artigos? Porque com a liberdade de expressão que, felizmente, existe hoje no Brasil todos podem se manifestar à vontade. O JORNAL DA CIDADE, por exemplo, está aberto a qualquer um que queira escrever e manifestar sua opinião.

 

O MINISTRO GILMAR MENDES, RELATOR DO RECURSO extraordinário, deu um voto contraditório e equivocado. Ele ressaltou a importância da qualificação técnica para o exercício cotidiano do jornalismo — com técnicas de reportagem e de redação — e por isso os cursos deveriam, na opinião dele, continuar existindo. No entanto, comparou a carreira a outras em que o diploma universitário não é condição exclusiva para que o profissional domine a técnica, como é o caso daqueles que trabalham nos ramos de cozinha, desenho, marketing, moda, costura e educação física. “Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área”, comentou.

Senhor ministro, cozinheiro e jornalista são coisas completamente distintas. Com todo respeito à nobre e salutar categoria, que contribuição os cozinheiros deram para a democratização do Brasil? Além de ser uma atividade intelectual, para aprender a captar e registrar os fatos, do jornalista é exigida uma preparação que só os cursos superiores específicos podem assegurar.

Na sexta-feira, o jornalista Diógenes Brayner escreveu um acertado artigo no qual lembrou que, antes dos cursos de jornalismo, os jornais tinham em seus quadros advogados, professores e autodidatas. “Todos eles diletantes. Não registravam fatos. Escreviam longos e estafantes artigos, geralmente se opondo a posições de outros. Os jornais serviam para o debate louco de ideólogos sem causa. E por estarem sempre presentes nas páginas e escreviam gratuitamente para massagear o ego, eram chamados de ‘jornalistas’”.

E prossegue o Brayner, com sua opinião acertada: “Quem estiver pensando que será jornalista apenas porque sabe escrever, pode procurar outra profissão. O repórter é aquele que sabe fazer a cobertura de um acidente, como o do Airbus da Air France, que desapareceu no mar”.

Aproveitando a sugestão, acrescento: senhores literatos, senhores líricos, escrever poesia é diferente de apurar, investigar, checar informações e redigir com a técnica exigida à boa informação da matéria jornalística.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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