Decoro Parlamentar e Perda do Mandato

Foi noticiado na imprensa sergipana: “Deputados processarão um ao outro (…) Rogério acusa Bezerra de ter abusado ao classificar de corruptos os diretores do Hospital de Urgência de Sergipe (Huse) há duas semanas, quando junto com outros parlamentares da oposição, foram impedidos de entrar sob o argumento de que queriam tumultuar e fazer campanha política na unidade de saúde. Para o secretário, foi Augusto que provocou todo o tumulto na porta do Huse, dificultando assim o acesso dos demais parlamentares (…) ‘Eu também estou protocolando pedido para que a Comissão de Ética convoque o secretário para que ele prove que eu só não estou preso porque sou detentor de um mandato’, reagiu Bezerra, lembrando que Rogério declarou, em entrevista em emissoras de rádio, que o deputado usa a imunidade parlamentar para não ser preso’.” (Jornal da Cidade de 21.05.2008, p. A-3).

 

Ótima oportunidade, portanto, para abordarmos um tema de grande interesse da sociedade: o decoro parlamentar, e, em decorrência, a obrigação de os parlamentares manterem conduta íntegra, proba, que não comprometa a honorabilidade da instituição representativa dos interesses democráticos e pluralistas da cidadania, qual seja, o Parlamento.

 

A Constituição Federal, em dispositivos integralmente aplicáveis aos deputados estaduais[1], estabelece que uma das causas de perda do mandato é exatamente “o procedimento incompatível com o decorro parlamentar” (Art. 55, inciso II). E, embora a Carta Magna remeta ao regimento interno do Parlamento a definição de casos configuradores de procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, ela mesma já define pelo menos duas situações como tais: o abuso das prerrogativas e a percepção de vantagens indevidas.

 

Com efeito, as prerrogativas que a Constituição assegura aos parlamentares têm fundamento na lógica de todo o sistema democrático-representativo. Enquanto os demais poderes possuem garantias institucionais que possibilitam aos seus membros o fiel desempenho de suas atribuições, sem interferências indevidas, o Poder Legislativo é aquinhoado com a proteção dos seus membros (eleitos pelo povo para mandatos de representação política) contra eventuais ações dos membros dos demais poderes que lhes possam embaraçar ou impedir o bom exercício das atribuições parlamentares.

 

Como o parlamento, no arcabouço da doutrina liberal-iluminista, é o órgão representativo da vontade geral, responsável pela definição das normas jurídicas impessoais e gerais a regular a vida social, bem como principal fórum de discussão política dos destinos do Estado, além de fiscalizador dos atos da Administração Pública, necessita possuir a independência necessária para não se tornar um mero instrumento da vontade do governante de plantão.  As prerrogativas parlamentares caminham nessa direção, a fim de assegurar aos parlamentares, representantes do povo, segurança e tranqüilidade para o cumprimento de seus deveres. 

 

Todavia, tais prerrogativas parlamentares não devem se transformar em instrumentos de privilégios ou de defesa de interesses pessoais ou ainda de interesses ilícitos. Por isso mesmo que a Constituição Federal definiu como incompatível com o decoro parlamentar o abuso das prerrogativas.

 

Dentre as prerrogativas parlamentares, encontra-se a inviolabilidade civil e penal por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (conhecida como “imunidade material” – Art. 53, caput). Contudo, tal inviolabilidade não pode servir de escudo para que parlamentares, comprometendo a boa imagem do Parlamento, descambem para ofensas pessoais ou achincalhe da honra alheia. Do contrário, teremos o abuso que a Constituição qualifica como ato incompatível com o decoro parlamentar, punível com a perda do mandato.

 

E como se deve proceder, diante de uma acusação de prática de ato incompatível com o decoro parlamentar? A formalização da acusação deve ocorrer por meio de provocação efetuada pela respectiva Mesa Diretora ou por partido político representado naquele parlamento, sempre observada a necessidade de se assegurar ao acusado a ampla defesa (Art. 55, § 2º). Formalizada a acusação, é instaurado um devido processo legal político-parlamentar, com específicas regras previstas na própria Carta Política e regulamentações constantes do regimento interno das respectivas Casas Legislativas, sem prejuízo de eventual responsabilização jurídico-penal a cargo do Poder Judiciário.

 

No caso do processo político-parlamentar em que se imputa ao acusado a prática de ato incompatível com o decoro, cabe aos próprios membros da Casa Legislativa decidir pela perda do mandato, em votação secreta e pelo quorum qualificado da maioria absoluta (art. 55, § 2º). Acaso a maioria absoluta considere que realmente houve a prática de ato incompatível com o decorro parlamentar, a penalidade prevista é a perda do mandato (Art. 55, II), que gera a conseqüência da inelegibilidade “para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subseqüentes ao término da legislatura” (art. 1º, inciso I, alínea “b” da Lei Complementar nº 64/90, com redação conferida pela Lei Complementar nº 81/94).

 

Pergunta-se: tais disposições constitucionais sobre decoro parlamentar e perda do mandato aplicam-se, também, ao parlamentar que esteja eventualmente afastado do exercício de suas funções para exercer a atribuição de Secretário de Estado? Em outras palavras, pode um parlamentar que não se encontra no exercício de suas atribuições parlamentares praticar conduta incompatível com o decoro parlamentar? Abordaremos essa outra face do problema na próxima semana.

 

 

Células-tronco embrionárias e sua utilização para pesquisa científica e terapia

 

O Supremo Tribunal Federal confirmou para a sessão de hoje (29/05/2008) – que excepcionalmente começará às 8:30 – a retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, na qual o Procurador-Geral da República pede que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 5º e seus parágrafos da Lei nº 11.105/2005[2] – conhecida como “Lei da Biossegurança” – que autorizam, para fins terapêuticos e de pesquisa científica, a utilização de células-tronco extraídas de embriões inviáveis para o processo de fertilização in vitro ou congelados há mais de três anos.

 

Já comentamos o tema aqui mesmo neste espaço.[3] Após o relator, Ministro Carlos Ayres Britto, ter proferido o seu voto no sentido da constitucionalidade dos dispositivos impugnados e, portanto, pela improcedência da ação (no que foi acompanhado pela Ministra Ellen Gracie), pediu vista dos autos, para melhor exame, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. A expectativa geral é a de que, hoje, o STF resolva em definitivo a matéria. Acompanhemos.


[1] § 1º do Art. 27 da Constituição Federal: “Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas” (grifou-se).

[2] Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

        I – sejam embriões inviáveis; ou

        II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

        § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

        § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

        § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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