Na semana passada, após abordar o tema da prática de ato incompatível com o decoro parlamentar como uma das causas constitucionais de perda do mandato, lancei o seguinte questionamento (em face de notícias veiculadas na imprensa sergipana): as disposições constitucionais sobre decoro parlamentar e perda do mandato aplicam-se, também, ao parlamentar que esteja eventualmente afastado do exercício de suas funções para exercer a atribuição de Secretário de Estado? Em outras palavras, pode um parlamentar que não se encontra no exercício de suas atribuições próprias do Poder Legislativo praticar conduta incompatível com o decoro parlamentar? De início, deve ser apontado que a Constituição Federal (de igual modo a Constituição do Estado de Sergipe), no contexto da harmonia entre os Poderes, admite que um parlamentar se afaste do exercício de suas atribuições para o exercício de cargos no Poder Executivo, sem que isso constitua causa de perda do mandato: Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador: I – investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária; A temática proposta, então, é a seguinte: se um parlamentar está afastado temporariamente do exercício de suas funções parlamentares – por se encontrar no exercício de funções administrativas, ocupando temporariamente o cargo de Ministro de Estado ou de Secretário de Estado, por exemplo (cargos de agentes políticos auxiliares diretos do Chefe do Poder Executivo das respectivas esferas federativas) – precisa observar o decoro parlamentar, e, em decorrência, a obrigação de os parlamentares manterem conduta íntegra, proba, que não comprometa a honorabilidade da instituição representativa dos interesses democráticos e pluralistas da cidadania, qual seja, o Parlamento? Na medida em que o parlamentar não exerce a função parlamentar, tem como, por alguma conduta sua, comprometer a honorabilidade do Parlamento? O problema já foi enfrentado. Refiro-me ao caso do ex-deputado federal e ex-Ministro de Estado da Casa Civil, José Dirceu. Eleito deputado federal em 2002 e empossado em 01/02/2003 para um mandato de quatro anos, afastou-se do exercício parlamentar para exercer o cargo de Ministro de Estado da Casa Civil, a convite do Presidente da República (Lula). Em 2005, foi acusado publicamente pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson de, na condição de Ministro de Estado da Casa Civil, ter comandado um esquema de pagamento a deputados para que votassem, na Câmara Federal, a favor de projetos de interesse do Governo. Acusação que ficou conhecida como “esquema do mensalão”. Foram instauradas Comissões Parlamentares de Inquérito para apurar a acusação, a Câmara dos Deputados instaurou procedimento de investigação, até que o PTB, partido político representado naquela Casa Legislativa, requereu a instauração de processo de cassação de mandato do ex-deputado José Dirceu, sob o fundamento de prática de atos incompatíveis com o decoro parlamentar. Que atos? Atos que teria praticado quando Ministro de Estado, comandando, do Ministério e no Ministério, reuniões preparatórias e executivas de todo o esquema de atividades ilícitas destinado ao pagamento mensal de deputados federais, a fim de que votassem a favor dos projetos encaminhados pelo Governo. Ou seja: nenhum ato praticado enquanto parlamentar, mas atos praticados enquanto Ministro de Estado. Insatisfeito, o ex-deputado José Dirceu impetrou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, sustentando a tese de que não poderia ser acusado de prática de ato incompatível com o decoro parlamentar quando tal ato foi praticado na condição de Ministro de Estado. A tese, sem dúvida, tem razoabilidade. Contudo, o que decidiu o STF? Em uma longa e polêmica sessão realizada na data de 19/10/2005, a Suprema Corte decidiu que o parlamentar acusado de prática de ato incompatível com o decoro em decorrência de condutas adotadas enquanto investido no cargo de Ministro de Estado pode, sim, ser processado pelo Poder Legislativo e eventualmente punido com a perda do mandato, se assim entender a Casa Legislativa. E isso basicamente por conta de algumas premissas: a) não há uma necessária coincidência entre exercício da função e submissão ao regime jurídico parlamentar, tanto que: – antes mesmo de empossados e de entrarem em exercício os deputados e senadores já possuem o foro especial, a partir da expedição do diploma (Art. 53, § 1º), que é uma prerrogativa da função parlamentar; – antes mesmo de empossados e de entrarem em exercício os deputados e senadores, já a partir da expedição do diploma, ficam proibidos de “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” e de “aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis “ad nutum”, nas entidades constantes da alínea anterior” (Art. 54, I, “a” e “b”); b) a circunstância de os deputados e senadores se encontrarem temporariamente afastados do exercício funcional no Parlamento não os exime do dever de observância a todo o estatuto constitucional dos congressistas, no qual se inclui o respeito ao sistema de proibições instituídas aos parlamentares, bem como a necessária observância às regras do decoro parlamentar; em outras palavras, embora investido no cargo de Ministro de Estado, o parlamentar não está dispensado de ter comportamento compatível com a ética do Parlamento (MS-MC 25579 – Relator para o acórdão Ministro Joaquim Barbosa, decisão tomada por maioria, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Nelson Jobim). Como é de conhecimento público, após essa decisão, a Câmara dos Deputados deu normal prosseguimento ao processo de cassação, que teve como resultado final a aprovação da perda do mandato do ex-deputado José Dirceu e conseqüente inelegibilidade para as eleições que se realizaram até 31/01/2007 e nos oito anos subseqüentes. O que o STF concluiu para parlamentar afastado de suas função para exercício do cargo de Ministro de Estado aplica-se, na íntegra, à situação de parlamentar afastado de sua função para exercício do cargo de Secretário de Estado. A matéria, porém, é polêmica, e o precedente acima descrito foi o primeiro caso enfrentado pela Suprema Corte quanto a essa específica discussão, à luz da Constituição de 1988. É, em decorrência, matéria sujeita a reexame. Células-tronco embrionárias e sua utilização para pesquisa científica e terapia O Supremo Tribunal Federal concluiu na última quinta-feira o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, na qual o Procurador-Geral da República pedia que fosse declarada a inconstitucionalidade do art. 5º e seus parágrafos da Lei nº 11.105/2005 – conhecida como “Lei da Biossegurança” – que autorizam, para fins terapêuticos e de pesquisa científica, a utilização de células-tronco extraídas de embriões inviáveis para o processo de fertilização in vitro ou congelados há mais de três anos. Prevaleceu o entendimento expresso no voto do Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, no sentido da constitucionalidade dos dispositivos impugnados e, portanto, pela improcedência da ação (foi acompanhado pela Ministra Ellen Gracie e pela Ministra Carmem Lúcia, bem como pelos Ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello). Os demais Ministros votaram pela procedência parcial da ação, mas ficaram vencidos. O julgamento foi apontado como o mais importante da história do STF. O tema já foi comentado aqui, neste mesmo espaço.[1]
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