Tem um certo tempo que algumas pessoas tentam demonstrar que houve um golpe de estado no Brasil. O filme de Petra Costa é um produto de pessoas com essa convicção. Ele é lançado na Netflix justamente no mês em que vazam conversas ilegais entre os promotores da acusação do ex-presidente Lula e o juiz Sérgio Moro.
A hipótese, já comprovada, demonstra que há um sentimento no país de aversão à democracia. Uma espécie de raiva, ódio, rejeição a ela. Está nos cartazes, nos impulsos de pessoas que saem às ruas desde 2013, com camisas da CBF. Estas pessoas estão cansadas de políticos que roubam, de máfias que dominam Brasília, de uma esquerda liderada pelo PT que por anos acabou fazendo parte deste grande esquema – e pareceu não ter feito quase nada para que isso fosse punido.
O documentário mostra o contrário. Após 2013, a então presidente Dilma Rousseff assina um projeto que legaliza a chamada delação premiada. A partir disso, surge a Lava-Jato – toda a operação se baseou nessa lei que ameniza a pena de quem dedura poderosos envolvidos em corrupção.
Vemos no documentário de Petra Costa uma melancolia. Como se as forças das ruas não tivessem trazido um avanço nos debates sobre a democracia. Pelo contrário. A tristeza da voz da narradora, a própria diretora que traz inclusive memórias íntimas às imagens, é a tristeza de uma grande parcela da população que viu, como que com surpresa, aparecerem pessoas com este ódio irracional à democracia.
Petra atribui, sobretudo, a culpa desse novo delírio a quem surgiu na política urgindo contra o PT. Por exemplo, Aécio Neves (autor da frase “vamos tirar essa quadrilha do poder”, em um debate televisivo), político que não quis dar entrevista à diretora, e, surpreendentemente, tem parentesco distante com a mesma. Também, envolvido em casos de corrupção – com áudios vazados.
Crime de responsabilidade
Há culpa também do vice-presidente e seu séquito do PMDB. Eles articularam, com evidências de áudios vazados na TV aberta, um tipo de golpe contra a Dilma para que tentassem finalmente parar a Lava-Jato. Tanto Michel Temer quanto o então presidente da câmara Eduardo Cunha, seriam presos por envolvimentos criminosos em recebimento de propinas. Romero Jucá, então senador, atuaria nas sombras.
Tudo começou quando Temer e Cunha lideraram um impeachment contra uma presidente que não teve seu nome associado a nenhum esquema de corrupção. Falando claramente: começou quando dois corruptos lideraram a expulsão do PT, com certa ajuda de integrantes da Lava-Jato (hoje sabemos), do poder executivo.
O ódio ao PT, segundo Petra, é também um ódio à democracia. Ódio aos diferentes matizes de pensamento de projeto nacional. Foi então esse ódio que nos tirou na linha desenvolvimentista e progressista, e nos colocou num governo atual que nos permite afirmar, sem a menor sombra de dúvidas, que a democracia no Brasil está em perigo.
Esperamos que essa hipótese esteja sendo um pouco forçada. E que na verdade, o que vemos hoje é uma intensificação da democracia. No entanto, quando vemos cartazes nas ruas pedindo o fechamento do STF, do Congresso, intervenção constituinte dos militares, volta de uma ditadura, percebemos que temos que vociferar, sim, pela democracia – contra seu definhamento compulsório, conduzido por grupos antigos que vivem nos porões de Brasília.
Sim, esses grupos ainda atuam. E Petra nos mostra isso. Bom ressaltar que há uma campanha evidente para que este filme ganhe um Óscar de melhor documentário no próximo ano. Que ganhe, essa primeira estatueta, para nossa história.