Ciência, Tecnologia e Sociedade:
Papel da Educação Superior no Brasil contemporâneo
Dënison Santana
Mildon Carlos Calixto dos Santos
Ada Augusta Celestino Bezerra
No contexto presente, são muitos os estudos sobre a ciência com o enfoque social; fala-se da cultura científica, da educação científica e tecnológica e de sua relação com a participação social. Ao mesmo tempo, abordam-se as inovações e as relações da universidade com o mundo do trabalho, com o sistema de inovações e parques tecnológicos nos estados e municípios. Nesse sentido, ampla é a sensibilização para a investigação, como trajetória inexorável. A pesquisa revela-se como essa busca de compreender criticamente a realidade de forma cognitiva de saber pensar e duvidar das suas próprias convicções cristalizadas tradicionalmente por uma cultura da reprodução e perpetuação de valores hegemônicos. E necessária a transcendência do senso comum imanente e que seus condicionantes estruturantes apreendam os acidentes do conhecimento já existentes para trabalhar os conhecimentos novos, burilando a realidade sensível a fim de reinventá-la. O método, para o sujeito pesquisador, é determinante, observado o rigor epistemológico do entender o mundo e o relacionando do conhecimento adquirido com sua práxis cotidiana em seu contexto social. Mas, além do método, destaca-se, nessa trajetória, a formação, requerendo das Universidades o desenvolvimento e a edição de materiais adequados para a formação de professores.
A educação, sendo uma das práticas sociais mais importantes para a transformação das relações instaladas, carrega um forte componente ideológico, como já reconhecia Freire (1996), quando tratava da pedagogia da autonomia como uma semeadura epistemológica em que é fundamental o sentimento, valorizadas as emoções. Bem assim, é preciso compreender que a ciência e a tecnologia não são neutras; elas têm sustentação e consequências sociais e políticas. Nesse contexto, impõe-se a ética de respeito ao sujeito do conhecimento, cuja pedra filosofal desta prospecção encontra-se na ascese do ser pensante frente às influências do seu próprio desenvolvimento. Isto implica, hoje, a libertação das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo, com o apoio da Física Quântica, que a história é um tempo de possibilidades.
As redes de excelência interuniversitárias de ciência, tecnologia e sociedade (Redes de CTS) que se instalam, independentes de subordinações administrativas (públicas e privadas), com o apoio de outros organismos públicos, fortalecem linhas concretas de investimento e formação, aproveitando melhor as potencialidades. Nesse plano, destacam-se três grandes linhas: formação, pesquisa e transferência de tecnologias, que se concentram nos programas de pós-graduação, que se destacam pela percepção social da ciência. Só superando a disciplinaridade, exercitando o pensamento crítico e promovendo o encontro de saberes, as universidades responderão aos desafios contemporâneos.
A pesquisa e o ensino devem estar imbricados na educação, em todos os níveis. A universidade é a grande viga mestra da sociedade para organização do espaço sócio-cultural estrutural desta linha de pesquisa e método, viabilizando a melhoria no potencial educacional e científico, vislumbrando uma atuação sólida na preparação do setor de recursos humanos e nas áreas de produção cientifica e da qualificação de profissional, sem se restringir em sua função à preparação de profissionais via graduação para atuar no mercado profissional, visando apenas a melhor colocação no nível de oferta.
É inegável a necessidade de maiores investimentos no sistema universitário, principalmente na pós-graduação stricto sensu, em cursos de mestrado e doutorado, para atender, particularmente, à grande demanda de profissionais altamente qualificados com titulação mínima de mestrado nas áreas de produção científica e tecnológica vinculadas ao mercado de trabalho, inclusive no setor de serviços. Igualmente , é evidente a necessidade de formar pesquisadores para as próprias instituições de educação básica e superior, bem como para os centros de pesquisa, oferecendo subsídios para os programas de qualificação e capacitação docente , via bolsas de estudos e/ou manutenção dos respectivos salários durante a pós-graduação, de modo a formar docentes-pesquisadores com dedicação exclusiva e compromisso com os problemas da sociedade local, regional, nacional e transnacional, na perspectiva da ciência e da tecnologia voltadas também para a efetiva melhoria da qualidade de vida da população.
A trajetória da Pós-Graduação no Brasil, nessas quatro últimas décadas, está marcada por sua expansão e afirmação. Paradoxalmente, o ensino superior , neste campo específico, teve um maior investimento no período do regime militar; em 1973 , deu-se a implementação de cursos com o respaldo do I Plano Nacional de Pós-Graduação, no Governo do Presidente Ernesto Geisel, com o objetivo de desenvolver as instituições de ensino superior e instituições de pesquisa, em nível de Pós-Graduação, contemplando o sentido estrito – cursos de Mestrado e Doutorado – e o sentido lato – cursos de formação avançada em nível de especialização e aperfeiçoamento.
A priori, a política expressa nesse documento sublinha que o ensino e a pesquisa devem estar integrados em todos os níveis e que os vários níveis devem estar articulados entre si. Eram cursos heterogêneos e instáveis que com as deficiências e problemas das Universidades, reduzidos a decorrências do processo socioeconômico brasileiro. Contudo, a industrialização e a urbanização estavam atreladas ao processo de inovação técnica e divisão social do trabalho, que exigiam profissões e especialidades para atender às necessidades emergentes do mercado trabalho regionais.
A elitização dos cursos de Pós-Graduação stricto sensu, concentrados em determinadas regiões geográficas e áreas especificas de conhecimento, configuraram uma distribuição desigual. Conforme dados do Plano Nacional de Pós-Graduação (2005 – 2010) a região Sudeste concentra 54,9% dos cursos de mestrado e 66,6% de doutorado, seguidos da região Sul (19,6% e 17,1%), Nordeste (15,6% e 10,3%), Centro – Oeste (6,4% e 4,1%). Já na região Norte , encontram-se , apenas, (3,5% e 1,8%), respectivamente, embora essa região registre maior taxa de crescimento (15% ao ano), seguida das regiões Centro – Oeste (12%), Sul (12%), Nordeste (9,6%) e Sudeste (6,3%). No âmbito da pós-graduação lato sensu, tem ocorrido, nos últimos anos, grande oferta de vagas.
Dentre os Cursos de Mestrado e Doutorado, destaca-se o crescimento nas áreas Multidisplinar, Ensino e Ciências Sociais Aplicadas, sendo que as Ciências de Saúde possuem o maior número de cursos entre todas as grandes áreas do conhecimento. Em comparação com outros países em 2003, o Brasil estava formando 46 doutores por 100 mil habitantes, ou seja, cerca de 15%da taxa exibida pela Alemanha de 30 doutores, a Coréia do Sul, em 2000, marca 13,6 doutores por 100 mil habitantes, o Japão, com 12,1 doutores titulados por 100 mil habitantes. Já nos Estados Unidos, em 1991, titularam – se 126 mestre por 100 mil habitantes em todas as áreas do conhecimento. Portanto, urge a necessidade de maior flexibilização e investimentos nas políticas públicas de Pós – Graduação no país, no intento, de expandir essa modalidade, visando corrigir essas disparidades regionais, sobremaneira na oferta dos cursos de Pós – Graduação stricto sensu, atendendo à demanda das novas áreas de pesquisa, conhecimento, tecnologias e sociedade.
Essa análise permite-nos perceber que, do ponto de vista epistemológico da realidade educacional brasileira, ocorreram três momentos que serviram de marco para delinear a história da Pós-Graduação no país. No primeiro momento, destaca-se a perspectiva mecanicista, cartesiana, centrada nas necessidades de mão de obra especializada das indústrias, instrumentalizando a função educacional restrita a uma atividade meramente profissional. Já no segundo momento, na década de 1980, enfatiza-se a preocupação com a formação de recursos humanos qualificados para atividades docentes, como também a pesquisa em todas as suas modalidades, para atender às esferas publica e privada, visando não apenas a reprodução do conhecimento como também o desenvolvimento da capacidade de contribuir para o avanço e progresso dentro dos diferentes níveis de especialidade.
Por fim, no terceiro momento, vê-se a influência dos novos paradigmas e a possibilidade de estimular a formação de pesquisadores para atuar nas atividades de pesquisa científica, tecnológica e inovação, que são, nos dias atuais, componentes fundamentais para a inserção do país no mercado mundial, evidenciando como mola propulsora a formação de professores pesquisadores engajados no sistema de produção e de novos conhecimentos científicos e tecnológicos ou culturais articulados com a sociedade. Para realização deste objetivo, destaca-se a emergência de uma política educacional calcada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN Nº 9.394/1996, que, apesar de atualmente claudicante, estabelece a promoção e o incentivo pela pós-graduação do desenvolvimento cientifico da pesquisa e da capacitação tecnológica, visando, de acordo o Plano Nacional de Educação (PNE), também claudicante, à melhoria da qualidade do ensino e à promoção humanística, científica e tecnológica do país.
Hoje, vivemos mais um período de entusiasmo na educação brasileira, a partir da CONAE – 2010 (Conferência Nacional de Educação) posta pelo governo e pela sociedade civil como fundante do novo Plano Nacional de Educação. Que deste feito, o governo que lidera essa ampla mobilização não venha a vetar os artigos que estipulam os recursos efetivos para o cumprimento de suas metas, como aconteceu no Governo Fernando Henrique e nos dois governos do Presidente Luiz Inácio da Silva, que manteve os vetos de FHC, ambos inviabilizando o PNE – 2001 – 2010. Deixamos aqui nossa esperança e a crença na força do movimento organizado! Na perspectiva da construção do Sistema Nacional de Educacional (reclamada por Saviani, 1983), a pós-graduação tem uma contribuição ímpar pela compreensão e crítica da realidade.