Cotas : PARTE FINAL?

A sabedoria popular nos remete, de maneira incontestável, a avaliar muitos dos contextos que nos circundam, mas que fazemos questão de ignorar. Pessoa simples como Detinha ( a nossa auxiliar de serviços gerais no Sala 1) um dos pré-vestibulares nos quais trabalho, olha para um dos canais pagos da Globo e  solta a seguinte frase: “ no Big Brother só ganha branco mesmo”. Exatamente isto… uma frase que vem lá do âmago como um desabafo presenciado por ela a vida inteira , não só por ser inteligente , todavia por saber a realidade dos negros no Brasil, sendo ela uma dos.

O reflexo do Big Brother, que testa as pessoas e faz com que as mesmas ,como ratos em laboratórios, briguem e sirvam de experiência para análises do comportamento humano, na  versão mais vil, traduz, também, parte dos preconceitos vividos pelos negros e afrodescendentes em terras brasilis. Em algum momento, posicionei-me contra a distribuição de cotas para negros e  pardos, tanto quanto para as pessoas da escola pública, pois em um mundo , mais ou menos de privilégios criado na minha mente, achava, de maneira ilusória, que as pessoas sempre venceriam pelos próprios méritos , independentemente da cor. Profundo equívoco, pois antes de sermos preconceituosos com os negros, somos  com o ser humano. Vivemos em um processo no qual as pessoas ainda não aprenderam a respeitar as outras pelas variantes das mesmas, pelas diferenciações. Posto isto, como podem pobres, negros, lésbicas, gays, bissexuais, travestis serem aceitos na sociedade, se já aprendem , desde pequenos, que são parte da escória ou de um produto avariado que deve ser extirpado do contexto social?

É muito complexo  nos posicionarmos de maneira contrária ao que é imposto por uma série de fatores e valores que nem sempre devem ser seguidos. Quando ouvia , no Simpósio de Redação, o inteligente professor Severino defender as cotas, pensava ser um bloqueio dele, em defesa, por conta de a cor do mesmo ser mais enfatiza que a minha ou do meu vizinho…. mais uma vez engano… Severo já havia captado que, mesmo por intermédio de leis, que parecem arbitrárias, a pior de todas elas já está homologada há muito tempo, centrando-se nos dogmas de que negros não podem e não devem ascender a cargos qualificados. Podem ser auxiliares, mas nunca o centro, a célula-troco de qualquer sistema que seja, inclusive o intelectual seguido do econômico.

Tal visão me veio a traços de reflexão, quando assisti a uma entrevista no Fantástico, que nem sempre é o show da vida, a respeito de famílias negras que não conseguem trabalho há dez gerações, na Europa,  sobrevivendo da ajuda do governo francês, que as alimenta no quesito estômago, mas  deixa as mesmas definharem no aspecto do sentir-se útil, ser produtivo para a sociedade. Não deve ser fácil perante a hipocrisia vivida, presenciar ascendência de negros poderosos como  Barack Obama ultrapassarem as madeixas louras poderosas de Hillary Clinton, ou de bilionários com sangue quase azul pela supremacia nórdica vendida ao mundo. Aliás, não precisamos ir tão longe para encontrar estas características de pessoas que se dizem brancas, por ainda acreditarem  nesta pseudo-superioridade, ao abrirmos o orkut e vermos as mesmas colocarem “ Cor : caucasiana”. No Brasil? Parece que nunca aprenderam história  ou biologia para entender que a cor da pele só é a capa, visto que  a raiz pode ser muito mais do que a pele pode aparentar .

Contudo, voltando aos negros poderosos, como deve incomodar ver uma Eloísa Galdino no poder, na Secretaria de Comunicação, a plena Condolissa  e a onipotente Oprah Winfrey e outros e outras mais , literalmente, no poder, seja na política, na comunicação ou possivelmente na Presidência dos Estados Unidos da América, cujo negro, que nem é americano, chamam-no de Afro-descendente, com sobrenome Obama, pensem, governar a maior potência mundial, liderada pela dita sub-raça : negros e latinos. Que reviravolta.

Em meio a tantas discussões, vejam que o preconceito é tão forte, que a retaliação contra atos ímprobos cometidos por negros sequer passa pela análise do possível inocente. Vejam o ocorrido com a Ministra da Igualdade Racial ou étnica, usou o cartão coorporativo, pagou um taxizinho, comprou um batom, tomou um copo de suco….. e fora! Cortada a cabeça da Ministra, que outro membro foi expulso ou posicionou-se como bode expiatório em nome da moral e dos bons costumes? Não vi nenhuma providência ser tomada contra o reitor que jogava a própria moral em latas de lixo de novecentos reais.  Isto só prova que o negro já nasce culpado, mesmo  sendo inocente, tendo que comprovar competência e ética inabaláveis para mostrar que só tem moral e poderá posicionar-se como aspirante a gente , caso não falhe. E Renam, se fosse negro, duraria tanto?

Oxalá, o que Detinha (nossa secretária) tenha enxergado, na verdade, não seja, somente, a realidade do Big Brother; no entanto, a realidade da vida, que deve , mesmo de forma aparentemente arbitrária, equacionar as igualdades para todos. Que os ignorantes, até, chamem de “negros”,  “afro-descentes”, mas , com certeza, irá doer menos, pois se a sociedade, hipócrita assim deseja, serão e continuarão sendo negros, pardos, mas doutores.  Que se prolifere a igualdade étnico-social.

Professor Dênison Ventura Kascho de  Sant’ana – Professor de Língua Portuguesa, Cronista do Jornal da Cidade, Coordenador do Núcleo de Pós-graduação em Língua Portuguesa e Literatura da Faculdade Pio Décimo, doutorando em Educação pela Universidade de Lyon – França.

Professora Lenalda Dias – Mestra em Educação, Ex-diretora do Cefet, Diretora Acadêmica Da Faculdade Pio Décimo,  Conselheira do Fundeb, doutoranda em Educação pela Universidade de Lyon – França.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.

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