Trabalhar com adolescentes no âmbito escolar, não é , somente, levar o conteúdo gramatical ou as técnicas de redação para a sala de aula. Acreditem, neste início de século, é , por muitas vezes, levá-los à lume dos processos que caracterizam a neosociedade.
Adentrar no universo do adolescente pressupõe dois mecanismos: o primeiro, tentar encaminhá-los às atividades sem pô-los sob pressão, pois os mesmos perfazem um contexto liberto, e o segundo, entrar no “self” dos rebentos para trazê-los à intimidade no afã de ajudá-los frente às dificuldades. Posto isto, acordo ouvindo a notícia tristonha de que uma garota negra, de uma escola pública – aos olhos de uma sociedade preconceituosa, a mesma é detentora de duas anomalias – fora espancada , não por marginais na rua, mas por outras garotas de características marginalizadas. Fiquei a me questionar, o porquê de as garotas espancarem a menina que frequenta o mesmo campo. Dentre as várias possibilidades, pontuo que estamos em um contexto no qual é melhor agredir pessoas com situações semelhantes as nossas do que somatizar forças para romper os paradigmas ultrapassados que circundam e ditam as regras no meio.
Tentar construir o discurso de que somos uma sociedade igual está muito mais difícil e confuso de se acreditar. Vê-se a desigualdade em toda a parte. Vê-se a mesma nas imposições de cores, de culturas, de bairros, exatamente, as pessoas são julgadas, melhores ou não, de acordo com o bairro no qual moram. Vê-se a desigualdade até em o negro averiguar que é desigual, e ser desigual não é defeito, nem para ele, nem privilégio para o branco, desde que se respeitem as individualidades humanas. Inserto neste aspecto, é necessário que as pessoas, que passam por sérias discriminações, saibam o quão difícil se torna romper as muralhas de uma sociedade elitista, que recrimina o intelectual inteligente, porque ele é inteligente, e não provém de família rica, que recrimina a garota da escola particular, negra, porque ela é dotada de poder econômico, mas não o é branca ou clara (elemento e cor da tez que , hipocritamente, atenua o precon social).
Diante deste tumulto, que é sobreviver, literalmente, sobreviver na esfera humana, surge a importância não mais de meros transmissores de conteúdo, todavia, de educadores, capazes de semear a “teoria do confronto”, que leve as pessoas à consciência plena das realidades vividas para, por enxergá-las sem medo de concretizá-las, tracem-se mecanismos de tolerância. Tolerância, palavra maior para qualquer possibilidade de reconstrução.
Contudo, sem perder de vista a menina, a que agrediu a colega, ela quereria, se pudesse, agredir-se. Entendem? É por esta submissão do capitalismo exacerbado, que os ditos cidadãos estão ignorando ou extinguindo todas as características consideradas impróprias para viver no ponto maior da sociedade. As pessoas vivem em torno desta busca estereotipada pelo material: compram celulares de 5 megas de qualidade na imagem, de gigas infinitos de memória, quando elas nem memória têm para perceber que não é este material a solução para aceitar-se no contexto. Este juízo de valor, de ACUMULAR, em centro do capitalismo, transforma os jovens em pessoas vazias, a estabelecer normas inversas no contexto. É por consequência desta realidade da compra como elemento de construção da identidade, que os adolescentes não conseguem se perceber, por exemplo, sem o abadá do Asa de águia, que canta há 20 anos a mesma música, porque, talvez, o potencial não passe do “arreia”, quando deveria ser “arria” – não ter o abadá é não possuir o código de barra para adentrar na Treze de Julho- e, assim, formata-se um pano de fundo social, cerebral, de capacidade para sentir, inconsistente. Como consequência, na ausência do abadá, na distância do reconhecimento do ídolo, na impossibilidade de ser uma Gisele, ou na improvável situação de se tornar uma Maya, joga-se pedra na Geny, maldita Geny, pobre, negra, nordestina e pública , do desgaste, do descrédito e da ignorância. Cabe aos educadores a tarefa de reformatar estes processos para construir pessoas mais preparadas, para não valorizar do pouco que somos, o tão pouco que as regras sociais do oba-oba nos apresentam.