Um domingo preguiçoso me convidou para ficar em casa. Eu, mais preguiçosamente, ainda aceitei. Aceitei porque talvez pensasse que não haveria nada mais interessante além da praia me esperando. A eterna dúvida que há anos me persegue voltou a me assombrar: cama, livro ou televisão? Ganhou ela, a poderosa. Pisquei o olho para a “Barack Obama – A ORIGEM DOS MEUS SONHOS”. Pedi licença para Nicholas S. Timasheff e sua TEORIA SOCIOLÓGICA – já estou ficando viciado nessa tal sociologia – e singelamente fui me prostrar em frente a Sua Majestade como um súdito. Na certeza de não ver nada interessante, mas, fiel ao seu reinado, afinal, sem ela talvez eu não fosse o que sou hoje. Passeei os meus dedos pelas teclas do controle remoto e fui zapeando ao prazer inigualável de ver tudo e ao mesmo tempo nada. De repente , acabou a vontade de mudar de canal. Encontrei Dênison Ventura e sua LINGUAGEM CONTEMPORÂNEA perdidos numa tarde de domingo na TV Caju. Gente foi muito mais gostoso que doce de jaca. Que delícia ver como ele conduz o seu programa. Que bom ver uma pessoa que se produz para o seu público. Ele estava lindo! Uma gravata num tom que se não é pleonasmo tinha tudo para ser – rosa pink. Um lenço no bolso do paletó – sim, querido leitor, ele é chique, ele usa lenço no bolso do paletó. Cabelos elegantemente desalinhados e um poder conversacional de dar inveja. Dênison Ventura estava entrevistando Severo d´Acelino . Foi a melhor sobremesa que deliciei nos últimos tempos. Então, me pus a pensar: como a televisão sergipana precisa de “Dênisons ”. Pois, falando, tem muita gente, agora, dizendo algo que realmente mereça ser ouvido, são poucos. Dênison tem o dom de tecer a conversa como minha avó tecia sua colcha de crochê. Tudo muito bem interligado. Assuntos com acabamentos fantásticos, que não deixam perceber as emendas – iguais às colchas feitas por minha avó. . Dênison não é um entrevistador. Ele sabe que é a ponte. Sabe que o artista não é ele, mas sim o entrevistado. E, é incrível como ele, com toda sabedoria, inteligência, perspicácia, consegue passar invisível pela conversa. O diálogo flui e o telespectador vai junto como se levado adormecido em braços de mãe. Severo, o negro d´Acelino , desfiava o seu novelo de conceitos que, sinceramente, eu juro que gostaria de saber de onde vem. Negro bonito. Chico Rei. Corpo coberto por uma bata vermelha, que fazia um contraste maravilhoso com o cenário. Severo falou de Mariô, um livro que trata da tradição oral das histórias dos negros sergipanos. Severo falou sobre o mundo dos jogadores de futebol, dos pagodeiros, que mesmo sendo negros, procuram as brancas para casar. Severo fez uma colocação brilhante. Segundo ele, não são os jogadores ou pagodeiros negros que procuram as brancas para casar. É que no mundo de glamour que eles vivem, as mulheres negras têm menos acesso. As brancas, disse Severo, são troféus. Nossa…é de arrepiar. Eu vi isso na nossa televisão. Eu vi isso na TV CAJU. Televisão que, às vezes, maltrata o ótimo produto que tem, com seus cortes feitos a facão. Com cores se misturando. Com vozes no estúdio vazando pelo microfone do apresentador . Com efeitos de edição ultrapassados. Mas Dênisson transcende. Arranca do fundo do coração a vontade de fazer um programa de televisão digno, bem feito. Suas idéias, seu jeito, suas colocações, quebram a quarta parede. Se você tiver oportunidade e TV por assinatura, assista. Vale a pena. Todos os entrevistados que passam por lá são interessantíssimos. Dênison , eu sei que um galo sozinho não tece uma manhã, mas desejo que seu canto, feito faca, corte a carne dessa mesmice que impera na televisão sergipana.
Marcos Trolleis, publicitário, ator, ex-diretor da TV Cidade, ator, compositor e produtor de teatro e televisão.
Obs – O programa Linguagem contemporânea continua na TV CAJU, agora, com o nome SINGULAR, todas às quartas-feiras , às 17 horas.