É possível dizer que o filme é uma forma de orquestrar vários gêneros dentro de um só. Porque é possível confirmar que é uma homenagem aos filmes B de monstros que saem do lago para “namorar” ou violentar cidadãos. Tem muito desse estilo em filmes norte-americanos – é possível inclusive inserir Tubarão ou E.T. (Steven Spielberg) no gênero. Fato é que, o filme se trata de um caso de amor fantástico, na era de ouro do cinema hollywoodiano. Uma metalinguagem.
Amor entre uma proletária e um monstro na era de ouro |
Há a série Cloverfield, há os inúmeros filmes sobre Drácula no universo anglófono, há os filmes que misturam as narrativas de HQ (nas quais o herói não é lá bem uma pessoa totalmente aceita, e pode também entrar no caracter do monstruoso), há os cults de David Lynch, David Cronenberg.
Também pode-se dizer que há um filme musical. Há inclusive a ironia da personagem principal interpretada por Sally Hawkins ser muda. Uma elegia aos filmes que não possuíam ainda fala, no cinema? É muito evidente: o filme é um grande elogio ao cinema norte-americano – mas, com ressalvas ácidas. Um elogio, principalmente, à capacidade deste cinema conseguir criar estes vários gêneros (terror, suspense, filme de herói, musical, melodrama, fantasia, romance). Mas a observação deste cinema também tornar ideológicas as relações humanas mais puras. Dentro do filme A Forma da Água (The Shape of Water), assistimos a diversos gêneros dentro de um só. Seria um filme experimental ou independente? É o fim, na verdade, da etapa independente de Guillermo Del Toro, diretor.
Apesar de toda essa complexidade de conseguir traduzir vários gêneros na história, e portanto, no roteiro do filme, houve muita rejeição ao filme. Principalmente antes dos prêmios que ele conseguiu na cerimônia do Óscar. A Forma da Água procura, como diz o título, dar forma a um tipo de expressão que parece independente, um filme B ou, latino-americano – ao menos na perspectiva, ponto de vista. O diretor mexicano consegue, inclusive, colocar na monstruosidade do personagem anfíbio, uma espécie de carisma muito complicado de se aceitar em obras comerciais. Certo, a fórmula estava em Spielberg – citado, humildemente por Guillermo, na sua fala da cerimônia. A estratégia de misturar, ou, borrar as fronteiras, não foi compreendida por muitos.
Há, enfim, sexo entre a personagem de Sally e o monstro. Há uma história de amor entre os dois. Um thriller às avessas, pois é um racista que tenta assassinar o “monstro” (quem é o verdadeiro monstro, afinal?) . Seria um ato inaceitável na época que a história do filme nos conta, aquela em que o cinema norte-americano ganhava ostensivamente as salas comerciais pelo mundo inteiro – inclusive aqui no Brasil. Seria inaceitável ver uma cena de sexo entre uma deficiente e um semi-deus-monstro-aquático, na casa de um pintor homossexual old school.
Brasil que é citado no exotismo. A gente assiste ao ícone do estranhamento latino-americano na época de Você já foi à Bahia? (Walt Disney), a dança da Lady in the tutti frutti head, Carmen Miranda. Para os EUA, nós, brasileiros, latino-americanos, mexicanos (chicanos), somos uma espécie exótica. Um tipo, digamos, extravagante. Bom lembrar que o personagem, monstro no filme, é da Amazônia. Nós, o Brasil, somos citados no filme como uma espécie de alegoria do monstro que invade o ambiente rígido e puritano da ciência e polícia norte-americana.
É interessante lembrar que o filme teve este êxito também por estarmos na chamada Era Trump. O bad guy que quer construir um muro entre os EUA e o México. Não há, em termos mais objetivos, uma liberdade maior para a criatividade global que se aloca ali na indústria cinematográfica pelo México (Alejandro Iñarritu, Alfonso Cuarón, Guillermo Del Toro), que a crítica sendo explícita através da premiação.
Portanto, é preciso repensar o caráter mais irônico do filme, nessa era. Sutil, mas direto. Essa geração das HQs. Iñarritu começou, com Birdman, com O Regresso. Mas Del Toro chegou ao máximo de acusar o exotismo de uma maneira mais brilhante.