De Gaulle começaria uma carreira política de muitas vitórias, sempre demonstrando saber sair dos cargos a tempo, não insistindo quando a maré lhe era desfavorável. No princípio, como chefe da nação e do governo provisório, quando sua popularidade de vencedor o fazia maior herói, soube conseguir sucessivas vitórias nos referendos. Na Inglaterra, Churchill era derrubado por Atlee, o líder trabalhista. Na França, logo valeria também a máxima de Plutarco de Queroneia (45-125?), filósofo e prosador grego: “Ignorar a vida dos homens cuja fama subiu à imortalidade é continuar todos os dias da existência terrena em estado de infância” Ou ainda: “A ingratidão para com os seus grandes homens é a marca dos povos fortes”. Escolhido pela unanimidade como chefe de governo, De Gaulle vê logo o parlamento começar a lhe negar aprovações de ministros e políticas. Querem-lhe retirar até o direito de comutar penas limitando as prerrogativas do Presidente da República. Querem-no igual ao “un cochon a l’engrais”, (um leitão a cevar), como se dissera outrora Napoleão Bonaparte após empreender o golpe de 18 Brumário. Tornar-se um leitão ou um galo capão, dócil, gordo e pomposo, jamais. Renuncia ao cargo maior dos franceses, abrupta e inesperadamente, num dia de domingo, 20 de fevereiro de 1946, retirando-se para a sua residência em Colombey-les-deux-églises, para surpresa de todos. A um seu auxiliar que lhe dissera não ter ele o direito de partir e que era preciso continuar a se submeter ao jogo parlamentar, respondeu: – “Você talvez tenha razão, mas eu não me imagino uma Joana d’Arc casada, mãe de família e, quem sabe, enganada pelo marido”. A um outro comissário que lhe perguntara o que faria com a sua saída inesperada, respondeu: “Os homens não contam, só o Estado conta. Você deve permanecer no seu posto”. Aos que disseram que em oito dias uma delegação iria pedir para que retornasse ao poder respondeu: “Clemenceau não gostava de dizer que os cemitérios estão cheios de insubstituíveis?” A outros ainda confidenciou: “Não se pode ser ao mesmo tempo o homem das grandes tempestades e o das baixas combinações”. A quarta república agora iniciada prenunciava os mesmos erros da terceira: governos fracos, muita agitação e quedas de gabinete em demasia, vinte e cinco em doze anos. Mas as baixas combinações da 4ª República suscitaram diversas tempestades, A França seria humilhada no Vietnam em Diem-biem-phu, e depois quase se dilaceraria na Guerra da Argélia. E aí se lembraram de De Gaulle. Ele era o único que podia pacificar a nação, quase em luta fratricida. Assim, doze anos depois, eis De Gaulle de volta ao poder. Estamos agora em 1958 e a França está à beira da guerra civil, com insubordinação do exército, desmoralizado com a crise da Argélia que se quer um estado independente. Para solucionar o problema que conduz a França à luta fratricida, De Gaulle renova seu pedido anterior de uma república presidencialista forte. Seu pedido é atendido, com reações, é verdade, mas a França consente no encerramento da sua 4ª República, caracterizada por muitos gabinetes, desordem, greves e anarquia. De Gaulle convoca eleições, e uma nova constituinte. Cria a 5ª República que é aprovada em 28 de setembro de 1958 em expressivo referendo, por 65,87% dos sufrágios, perfazendo 82,60 % dos votos válidos. Esta 5ª República ainda está vigente até hoje, com poucas mudanças, tendo se revelado eficiente diante das crises políticas ocorridas. Bastien-Thiry, Roger Degueldre, Albert Dovecar, Claude Piegts, membros do Comando Delta da OAS, organização terrorista pés-negros, contra a independência da Argélia, processados e fuzilados em 1962. Livro de Frederick Forsyth—O Dia do Chacal Manifestação recente no tumulo de Bastien-Thiry. Livro “Mon père, le dernier des fusillés”, de Agnès Bastien-Thiry sobre seu pai—Cartaz do filme de Fred Zinnemann.
A grande crise de então era ainda a da Argélia. Constatando que em longo prazo a Argélia venceria a guerra, De Gaulle dirige-se a toda França pelo rádio em novembro de 1960, falando pela primeira vez de uma “República Argelina” que se faria “com a França ou contra a França”. Pede apoio aos franceses à sua política de autodeterminação da Argélia. A resposta é total; em fevereiro de 1961 um referendo aprova a autodeterminação da Argélia por 75,26 % de sim na metrópole e 69,51% na Argélia, sendo que o não foi defendido pelo Partido Comunista Francês o PCF e a direita argelina ajudada pelos europeus ali residentes.
Posteriormente um outro referendum, desta vez em abril de 1962, aprova como 90.81% dos votos válidos o Acordo de Evian determinando definitivamente a independência da Argélia.
Mas o desfecho da Argélia, com expressiva aprovação suscitou reações agressivas da extrema direita francesa, como o “Putsh dos Generais”, liderado pelo General Gibot e que sufocado em 1961, alguns atentados terroristas, e até uma tentativa de assassinato liderada pelos Partidários da Argélia Francesa sob o comando do coronel Jean Bastien-Thiry, membro da OAS – Organisation de l”armée secrète (organização do exército secreto).
Em sua justificação, entendia o coronel Bastien-Thiry, que a “separação da Argélia era mais grave ainda que a da Alsácia-Lorena”. Assim, contra o general De Gaulle, organizara o atentado ocorrido na região de Petit-Clamart em 22 de agosto de 1962, motivando e conciliando o seu projeto criminal com um conceito obscuro e equivocado de religião católica. Com o desfecho fracassado, dirá depois em sua defesa, citando orgulhosamente São Tomás de Aquino; “ser legítimo em alguns casos até o regicídio”.
Este atentado de Petit-Clamart, fora denominado “Operação Charlotte Corday”, em referência à heroína Girondina, que assassinara o Jacobino, Jean-Paul Marat, jornalista panfletário, cognominado “amigo do povo” desferindo-lhe uma “peixeirada” quando este se refestelava numa banheira aquecida em 11 de julho de 1793, em meio ao período Terror da grande Revolução Francesa.
Este atentado de 22 de agosto de 1962 foi o último e mais grave. Deu-se, próximo às 20 horas quando os dois Citroen DS19, escoltados por dois batedores saiam do Palácio do Eliseu em direção Colombey-les-Deux-Églises foram interceptados por atiradores. Num dos automóveis estavam o general, a sua esposa Yvonne, o seu genro e ajudante de campo coronel Alain de Boissieu, e o motorista, o guarda Francis Marroux.
Do atentado uma metralhada de 150 balaços, nenhum atinge os ocupantes do automóvel que possuía pneus blindados. Tal atentado inspirou a ficção de Frederick Forsyth no best seller, The Day of the Jackal (“O Dia do Chacal”), que resultou num filme franco-britânico de 1973, dirigido por Fred Zinnemann, excelente, e que foi refilmado em 1997, menos empolgante e pouco verossímil.
Fora da ficção e apurando-se a veracidade do atentado, comprovou-se que do complô participaram alguns funcionários do próprio palácio presidencial, sob o comando do Coronel Bastien-Thiry, filho de um militar, herói de guerra e companheiro de De Gaulle. Preso após retorno da Inglaterra onde estava em missão científica, o Coronel Bastien-Thiry é processado por corte militar de justiça, junto com os demais culpados, processo que se estendeu de 28 de janeiro a quatro de março de 1963, com a sua condenação à morte e aos demais atiradores.
Na defesa dos colegas de Bastien-Thiry, eis de novo o mestre advogado Jacques Isorni, advogado de Philippe Pétain e Robert Brasillach, ele também partidário de uma Argélia francesa e que antes defendera o general Bigot, no processo do Putsch dos Generais contra De Gaulle em 1961. Agora, no processo Bastien-Thiry, por desacato aos juizes militares, o advogado Jacques Isorni, será condenado e suspenso por três anos.
Quanto aos condenados, só Bastien-Thiry restou executado. Foi o único a não receber o perdão presidencial. De Gaulle, que concedera aos atiradores, lhe negara a comutação de pena, para prisão perpétua. Entendeu que a presença de Yvonne, sua mulher no momento do atentado, e de algumas crianças no local, representava um agravante covarde, além do fato de que Bastien-Thiry, contrariamente aos atiradores, fora o único que não se expusera em riscos diretos.
Deste processo é interessante destacar o que ali se lê: “Não há senso na História, não há vento da História, porque o que faz a História, segundo nossa concepção ocidental e cristã, que é verificada em todos os fatos históricos, é a vontade dos homens, é a inteligência dos homens, são suas paixões, boas ou más.”
Bastien-Thiry é destituído de seu título de Cavaleiro da Legião de Honra e aprisionado em Fresnes sendo executado no forte de Ivry às 6h39, no dia 11 de março de 1963, uma semana após o veredicto capital. Seu corpo está enterrado no quarteirão dos supliciados no cemitério parisiense de Thiais.
Com a execução de Bastien-Thiry, acontece a última condenação a morte por uma corte militar francesa. No processo de execução utilizou-se um vasto aparato policial com mais de 2000 militares e 35 viaturas mobilizadas para evitar a sua fuga. Acreditava-se não só em sua evasão como também em uma recusa do pelotão de fuzilamento.
Desta execução ficará mais uma crítica de intolerância a De Gaulle. Há inclusive muitos sites na internet dedicados à reabilitação de Jean-Marie Bastien-Thiry, tratando-o como mártir, contestando a sua condenação. Há, inclusive, vários livros publicados, inclusive por uma sua filha, a escritora Agnes Bastien-Thiry, que ficou órfã aos três anos, em que relata a sua versão dos fatos, traçando um retrato tocante e amoroso de seu pai em “Mon père, le dernier des fusillés” (Meu pai, o último dos fuzilados), que pode ser lido em trechos na internet.
Hoje, 46 anos passados, fica a pergunta. Não teria sido melhor comutar a pena de morte, pacificando a alma nacional em demanda da tolerância e da anistia dos exaltados?
Mas, ao optar pela violência e pelo fuzilamento dos responsáveis, De Gaulle via agora a França pacificada. Mais uma vez lavada em sangue, é verdade, mas com a sua 5ª República consolidada.