Há mais de três décadas, o Encontro Cultural de Laranjeiras, realizado no primeiro mês do ano, traz a diversidade de sua cultura e crença durante a semana da Festa de Reis (06 de janeiro). Esse evento, típico do calendário católico, carrega o nome de Reis, mas a protagonista mesmo é a Rainha das Taieiras e a sua coroação, que ocorre dentro de uma igreja. Para quem ainda não conhece as Taieiras, vou contar um pouco sobre o grupo e a importância dele para o fortalecimento e permanência do Encontro Cultural e da cultura popular em nosso estado.
O nome ‘Taieiras’ é proveniente das mulheres que carregavam água em talhas, objetos de barro usados para o armazenamento e transporte da água. Formada em sua maioria por mulheres que entoam cantos sagrados e profanos, e que tem uma ligação direta com o terreiro Nagô Santa Bárbara Virgem, as Taieiras foram incorporadas ao terreiro quando Umbelina de Araújo, primeira mulher líder do Nagô em Laranjeiras, assumiu o comando do grupo e do terreiro. Portanto, de acordo com relatos de integrantes do grupo, as Taieiras não são uma manifestação que nasceu do Nagô, mas algumas características da religião foram incorporadas a ele, tornando expresso o vínculo das integrantes do grupo ao terreiro, características essas que estão visivelmente estampadas nas cores que compõem as vestes das dançarinas: blusas e saias das cores vermelho e branco, respectivamente (que representam, segundo elas, as cores de Santa Bárbara ou Iansã), e cada fitilho colorido que compõe a roupa das dançarinas representa a cor de um orixá cultuado no terreiro.
A Igreja onde é realizada a coroação não foi escolhida aleatoriamente. O local que leva os nomes de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário (santo negro e padroeira dos escravos que lutavam pela sua libertação), é uma forma de celebrar uma passagem importante e histórica para um grupo que é constituído em sua maioria, por mulheres e crianças negras. Cada elemento e passagem realizada pelo grupo desde a saída do terreiro e acompanhamento do grupo de cultura popular Chegança Almirante Tamandaré possui um significado simbólico, a exemplo dos cânticos das Taieiras, divididos em sagrados e profanos, e entoados em locais e horários determinados e adequados ao processo ritual do grupo, como forma de rememorar trajetórias advindas da diáspora negra.
Durante toda a cerimônia de coroação, o grupo permanece dentro da Igreja e ocupa um lugar privilegiado junto ao altar para que os ritos sagrados sejam entoados diante da Rainha a ser coroada e das imagens dos santos. E apesar de o grupo ser vinculado ao terreiro Nagô, a realização desta coroação dentro da Igreja católica é um exemplo para demarcar sempre a importância das raízes africanas que existem no município, uma vez que não só a coroação da Rainha é feita dentro de uma igreja, como também é realizada pelo padre da catequese, que dá a sua benção à Rainha e às demais integrantes do grupo.
É importante destacar que existiu uma imposição do catolicismo empregada ao longo do período escravocrata no Brasil, que fez com que as religiões de presença ou de matrizes africanas acabassem incorporando elementos desta vertente cristã aos cultos afro-brasileiros como uma forma de fortalecer ou estabelecer uma identidade brasileira a esses cultos. Dessa forma, essa relação imposta no passado, aos olhos dos praticantes dos cultos, especificamente aos praticantes do Nagô Santa Bárbara Virgem, é uma maneira de legitimar a tradição africana no país.
Diante disso, pelo curto espaço, mas com muito ainda a ser dito e escrito sobre isso, lhes convido a fazer um passeio por Laranjeiras para saber mais sobre como se constituíram os grupos de cultura popular, suas formas de resistências, as cantigas que informam, formam e retornam às suas raízes e ancestralidade. Por fim, superficialmente ditados como “brincantes”, é através do lúdico que contam a história, fazem denúncias e clamam por mudanças. Segue o verso:
“Senhora do Rosário
Senhora do mundo
Dê-me um copo d’agua
Se não vou ao fundo!”
Viva a nossa Rainha! Viva a nossa cultura popular!