Intolerância ou racismo?

Fiz uma pequena pausa para aproveitar os dias de carnaval em paz e tranquila, mas o mundo é um lugar em que o caos transita e opera em muitas mentes. Pois bem, decidi falar sobre uma situação que gera inúmeros desconfortos em minha vida, a começar pela substituição dos nomes mais comuns a isso: o racismo religioso.  Aconteceu uma cena no reality show BBB, eu, infelizmente estava assistindo no momento e fiquei extremamente incomodada, sobretudo porque eu sou uma mulher de axé e, mais uma vez tendo que reforçar o infelizmente, já passei e ainda passo por situações como a que fora televisionada. Mas, por que eu quis refletir sobre o termo racismo religioso e não intolerância religiosa?

A população brasileira foi criada para ser racista. Sim, é um fato. Tudo que é relacionado à população preta é passível de questionamento, é comparado à desordem, ao profano, ao demoníaco, ao desonesto, ao violento, ou seja, crescemos ouvindo que os pretos são os perigosos e tudo aquilo que deriva deles também são. Portanto, se as religiões de presença ou matrizes africanas são motivo de medo é simplesmente porque há o racismo estruturado nisso aí.

Ninguém tem medo de pessoas rezando baixo antes de fazer uma refeição, ninguém tem medo quando alguém abre a Bíblia, reza o terço. Qual é a razão para temer alguém que, da mesma forma que um cristão com seu terço, pega seus fios de conta, abaixa a cabeça e reza em Yorubá? Será que se esta pessoa rezasse em inglês, francês, espanhol, causaria tanto espanto? Quando os “Hare Krshna” rezam em Hindi, causa medo, pavor? Quando padres citam trechos em latim, todo mundo que está na missa entende, isso causa medo?  As pessoas crescem com preconceitos, mas a partir do momento que o conhecimento chega até nós, o preconceito se transforma em escolha.

Não precisamos acreditar nas mesmas divindades, nas mesmas crenças, nos mesmos mitos, mas precisamos e devemos nos respeitar. O direito e culto é para todo mundo e é constitucional, não importa se é a Deus, a Buda, a Allah, a Oxalá, ou até a ninguém, pois um estado laico deve respeitar os ateus também. Religião não é obrigação, é escolha e modo de vida e isso será diverso em qualquer sociedade.

É inadmissível que temos que pedir por tolerância, quando o que está estampado é o racismo. No BBB, quem cometeu racismo religioso saiu, mas gerou revolta na internet. Foram várias justificativas de defesa, todas com a mesma coisa implícita: como pode um loiro, alto, de olhos azuis, sulista, perder para um preto raivosinho do menor estado do país? Como pode um homem branco ter cometido racismo religioso só porque afirmou ter medo da religião, mas o homem preto ter cantado em tom de piada uma música gospel não ser intolerância também?

Dados da Central Nacional de Denúncias apontam que os crimes de ódio, em 2022,  tiveram  aumento considerável em relação aos anos anteriores. Entre eles, a xenofobia teve um aumento de 874%, seguido de intolerância religiosa (456%) e misoginia (251%). Diante desses dados, reitero que as populações e terreiro SEMPRE sofreram ataques, a população nordestina SEMPRE sofreu ataques, as mulheres SEMPRE sofreram misoginia, mas escancarar isso num programa de TV e as pessoas serem coniventes com esses atos não deve ser admitido. Que nos realities e na vida, as pessoas realmente aprendam que racismo, xenofobia e misoginia não se deve tolerar nem relativizar.

Axé!

Obs.: A legislação brasileira define como crime a prática, indução ou incitação ao preconceito de religião, bem como de raça, cor ou etnia pela Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997. A pena é de reclusão de dois a cinco anos e multa.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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