O cuidado que dá muito trabalho

Em primeiro lugar, gostaria de me desculpar por um texto cansado, daqueles que você só escreve porque não quer perder o timing da coisa e é justamente por estar esgotadíssima que eu quero comentar o tema da redação do Enem deste ano. Afinal, quando a gente pensa no termo economia do cuidado, essa composição de palavras bonitas e necessárias, a gente acredita em uma situação ideal e idealizada que, na maioria das vezes, inexiste.

O dia de uma mulher adulta parece que tem 36 horas, sobretudo quando ela tem crianças para cuidar. “Ih, lá vai ela reclamar da maternidade de novo…”. Sim, é um fato que as mulheres mães têm sobrecarga maior e realizam trabalho invisível não remunerado e não reconhecido nem dentro de casa, nem fora dela. Se você calcular o trabalho doméstico desde a sua infância, as inúmeras vezes de faxina na casa, preparo das refeições, roupas lavadas e passadas, ensinar as lições da escola às crianças, planejamento de compras, de contas, de vida, quanto daria?

De acordo com dados da FGV, lançados recentemente, as mulheres brasileiras dedicam 25 horas semanais aos trabalhos domésticos e não são remuneradas por isso. Não há como pensar e discutir igualdade de gênero quando sabemos que às mulheres são delegadas as tarefas domésticas e de maneira dispare. Muitas pessoas que se acham as provedoras de suas casas e famílias acreditam que basta pagar que a mágica é feita.  Paga uma empregada, paga uma babá, paga uma marmita, paga passadeira, paga motorista, paga escola integral e tudo se resolve.

Não. Adultos funcionais não têm mente escravagista. Adultos funcionais, mesmo que possam e queiram pagar por serviços, precisam fazer o mínimo e entender que suas mães, avós, parceiras, filhas, não são serviçais e que suas funcionárias não estão disponíveis para tudo o tempo todo, independente se há ou não um salário que seja pago. Dinheiro não paga tempo de qualidade em família, dinheiro não garante saúde mental em dia, pessoas não são robôs e não devem ser tratadas como tal. E essa é uma questão seríssima de invisibilidade do trabalho e da total falta de cuidado com a economia.

Para além da economia do cuidado, as mulheres ainda precisam lidar com as desigualdades no mercado de trabalho, pois, além de não serem remuneradas e nem mesmo reconhecidas por manter a organização e o cuidado da família, recebem menos que os homens, precisam se esforçar mais para serem ouvidas e são descartadas quando não se submetem às condições degradantes e desumanas de trabalho. Precisamos parar de só pensar e escrever sobre isso e reivindicar nosso lugar visível, nossa voz ativa e gritar para extinguir o nosso cansaço com essa carga absurda que jogam em nossas costas que é a do cuidar do outro para depois cuidar de si.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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