… o passado, minhas lembranças mesmo, minhas solidões, a vida; a vida é um antigamente só e nós ficamos lá.
Mas quem somos? Nós somos nosso próprio esquecimento – borracha do futuro a apagar o passado nas ardósias do presente. (Ondjaki. Quantas madrugadas tem a noite)
Menino do interior, como eu, doutor José Aderval, do sertão de Graccho Cardoso, desde criança, mostrou-se um lutador.
Perdeu cedo a querida mãe, logo foi trabalhar ajudando o pai no campo. Montou cavalo, conduziu gado, ordenhou vacas, jogou bola e voltava à tardinha para casa com a canelas sujas da poeira do trabalho e da brincadeira naquele árido sertão sergipano. Sonhava…
O que é o homem sem os sonhos?
Veio a Aracaju, conheceu a cidade grande, foi ao cinema e, como no conto de Andersen: O Patinho Feio, viu que o mundo não terminava na cerca do sertão.
Lá mesmo, fez o curso primário, estudou o ginásio em uma cidade próxima (Aquidabã). Veio para Aracaju concluir o segundo grau. Foi aprovado não Universidade Federal de Sergipe (UFS) para o curso de Medicina.
Formado, permaneceu algum tempo em Sergipe. Angustiado, foi médico no interior e na capital. Dirigiu-se para o Estado de São Paulo, donde voltou mestre e doutor.
É hoje professor da Universidade de Federal de Sergipe (UFS) e professor fundador do curso médico da Unit. Tem conceito alto, consultório e clínica respeitável.
Casou-se com a doce Marina, colega de faculdade, mãe de seus dois filhos: Felipe e Iapunira, hoje, estudantes de medicina.
Frequentador assíduo da Sociedade Médica de Sergipe (Somese), por aclamação, foi eleito presidente dessa instituição para dois mandatos consecutivos, cargo ocupado por seis anos. A sua gestão foi das mais profícuas: reestruturou a Somese, vivificou-a, aumentou o quadro de associados e prestigiou os médicos, principalmente, os mais velhos e esquecidos que dedicaram as vidas ao nosso interior. Festeja-os, condecora-os e escreve as biografias deles, gravando para a posteridade as memórias da história médica de Sergipe. Nunca a classe médica foi tão enaltecida como nos seus períodos de gestão.
Aderval escreveu livros, biografias, criou e outorgou comendas, organizou festas de congraçamento para que os médicos se encontrassem e contassem suas histórias, experiências, vivências, recordações e saudades.
Nesse ínterim, ele foi eleito titular da Academia Sergipana de Medicina (ASL), criou o programa SALVE e foi à luta na divulgação no sentido de demonstrar o quanto significava para a vida a aplicação do dito programa.
Concluiu o segundo mandato, então foi convidado para Academia de Educação do Estado de Sergipe, na qual figura como um dos fundadores.
Faltava-lhe então uma grande batalha em matéria de sonho: triunfou elegendo-se para Academia Sergipana de Letras (ASL). Um reconhecimento à sua hercúlea capacidade de trabalho sedimentada em uma cultura multiforme, alicerçada nos estudos médicos e na sua condição de poeta e de biógrafo, as provas documentais confirmam.
Ei-lo agora às portas da Academia.
O que esperar da Academia?
O que é a Academia Sergipana de Letras: tão diferente das academias literárias?
As academias de letras não formam escritores, chega-se a elas pelo passado, como bem o disse o Barão do Rio Branco quando da instituição da Academia Brasileira de Letras (ABL), uma casa de todos.
As academias não inventam nem fazem escritores menores ou maiores, “os escritores, sim, é que as inventam. As academias nada têm a dar-lhes além do reconhecimento dos valores dos poderes do convívio.”
Doutor Aderval! Este é o seu momento, seu instante de glória, agora, há amigos de todas as partes na companhia de Marina, Felipe, Iapunira e Seu Bal e, certamente, Maria Eulália: sua encantadora genitora, pois eternas e imortais são as mães.
Tudo que realizou doutor José Aderval obedeceu a uma ordem: a ordem dos tempos modernos, da presença digital e espiritual dos que nos amam.
Tudo como queria, com tanto acerto, a sua posse na Academia.
Tudo no seu tempo, na sequência natural de uma tarde enfeitada pelos amigos.
José Sarney, citando Mauro Mota (poeta e imortal) em seu poema Um Domingo na Praça: “esta tarde não é de hoje, é antiga.”, embora tudo aqui organizado ainda tenha um toque de improviso afetuoso.
E, neste momento de suprema realização, o senhor imortaliza-se; e a Academia lhe oferece um passado, estimula um presente e promete um futuro, porque o senhor soma-se à glória fosca ou brilhante de seus antecessores, à imortalidade desta Casa.
Em 1897, quando se constituiu a Academia Brasileira de Letras (ABL), já com um quadro de quarenta membros, vinte e cinco fizeram questão de proclamar a condição de jornalista, já que vinham eles de duas campanhas fundamentais: a Abolição da Escravatura e a Implantação da República.
E, mais adiante, quando se incorporaram as tradições da Casa, em relação ao critério dos valores representativos do país, fora da área puramente literária para o preenchimento das vagas, Joaquim Nabuco, o seu primeiro secretário, a propôs em uma carta a Machado de Assim: “a minha teoria, já lhe disse: devemos fazer entrar para a Academia a superioridade do país. Academia formou-se de homens na maior parte novos, é preciso graduar o processo. Os novos podem esperar, ganham em esperar, entrarão depois por aclamação e não por simpatias pessoais. A Marinha, o Clero e o Exército [ainda não havia a Aeronáutica] não estão representados no nosso Grêmio, é preciso introduzir as notabilidades dessas vocações que também cultivem as letras. ”
Daí, uma ideia primordial, há de se estabelecer uma idade mínima de acesso a esta Casa, criar-se um quadro anexo de eméritos para permitir a representação de todas as gerações, o que não ocorre no momento.
As academias são estanques, nelas, entra-se e se sai pelo caminho da morte.
Precisamos ser imortais “enquanto dure” como disse o notável Vinicius de Moraes falando do amor.
Isso é tão somente uma sugestão para aqueles que agora adentram à Academia imbuídos nos melhores propósitos.
Que suas sessões sejam alegres sem partidas dolorosas, sem chegadas lamentosas!
Digo isso com a certeza de que a notícia do dia faz esquecer a notícias da véspera, porém os nossos registros, recolhidos na nossa revista, nos jornais, nos arquivos e nas bibliotecas, perduram porque, nesse caso, está fixado o momento passado, servido sempre como subsídio ao futuro. Fica então a memória viva como se girasse para trás a máquina do tempo.
Esta Casa o recebe com alegria e este amigo com o poema de Carlos Drummond de Andrade:
O Criador
A mão do meu irmão desenha um jardim
E ele surge da pedra.
Há uma estrela no pátio
Uma estrela de rosa e gerânio
Mas, seu perfume não encanta a mim
O que respiro é a glória do meu mano.
Seja bem-vindo, Doutor José Aderval Aragão!