Hoje é aniversário de 51 anos do golpe que deu ensejo à ditadura militar que durou vinte e cinco anos (1964/1985).
Lamentavelmente, mesmo quase 27 anos após a promulgação da Constituição redemocratizadora de 1988, ainda existem resquícios da ditadura entre nós.
Com efeito, em meio às manifestações ocorridas no último dia 15 de março, não faltaram pequenos grupos, minoritários porém barulhentos, a bradar por “intervenção militar já” ou pela volta da ditadura.
Pois bem, se existem segmentos da sociedade que, atualmente, não têm qualquer constrangimento em defender a ditadura militar, é porque algo está muito errado e é preciso refletir sobre isso para adotar as democráticas providências que tenham efetividade na reversão desse quadro.
Afinal, não podemos considerar natural a defesa – entusiasmada, até – de um regime político de terror, de repressão, de supressão das liberdades em geral (públicas e individuais), de práticas sistemáticas das mais diversas formas de tortura física e psicológica, homicídios, desaparecimentos forçados, ocultamentos de cadáveres e de uso da força desmedida e ilimitada contra opositores políticos, censura prévia aos meios de comunicação e manifestações artísticas, entre outros tantos inúmeros, inaceitáveis e indefensáveis males de um período nefasto de nossa história.
Os déficits de nossa democracia ainda em consolidação devem ser solucionados pela via democrática e não pela via autoritária. Precisamos avançar nas conquistas democráticas e não abrir mão delas. Combater o retrocesso é nosso dever cívico.
Uma boa pauta em busca dos necessários avanços democráticos – e, ao mesmo tempo, de repúdio aos ensaios golpistas que de vez em quando emergem das profundezas para sondar a receptividade – deve abranger, minimamente, os seguintes aspectos:
1. O resgate sério e efetivo da memória histórica do período de terror; somente o pleno conhecimento da história, com acesso efetivo aos documentos e provas existentes, será capaz de manter informadas as gerações presentes e futuras para que fiquem eternamente vigilantes em defesa da democracia. Nesse sentido, é preciso ir mais além do trabalho já realizado pela Comissão Nacional da Verdade;
2. O efetivo processamento e julgamento dos torturadores. A impunidade da tortura do passado, que faz com que convivamos naturalmente com torturadores como se nada de mal à humanidade tivessem feito, leva à manutenção da sua prática no presente e no futuro. Embora não desenvolvidas de modo institucional e articulado por organismos estatais, são conduzidas isoladamente por agentes públicos que, talvez levando em conta o passado, acreditam e confiam na impunidade de tais crimes. Nesse sentido, a reversão dos efeitos do julgamento, pelo STF, da ADPF nº 153, é essencial. E essa reversão é processualmente possível, ante jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos pela invalidade de auto-anistia de crimes contra a humanidade, como a operada pela Lei nº 6.683/79;
3. A desmilitarização da polícia. Polícia militar é resquício autoritário da ditadura. Democracias consolidadas em poder civil devem ter suas polícias a atuar sob perspectiva constitucional da segurança pública, para atendimento de suas finalidades democráticas essenciais, limitando o papel das Forças Armadas à defesa da nossa soberania territorial e de nossas fronteiras. Existem, nesse sentido, propostas de emenda à constituição tramitando no Congresso Nacional;
4. Defender o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, permanentemente, sem seleção de classe e/ou prestígio social ou poder econômico. A vigilância cívica das garantias contra os abusos de poder não pode se limitar aos casos em que eles ocorrem contra pessoas influentes ou que têm maior visibilidade pública, mas se estender permanentemente aos casos em que, infelizmente, nas periferias desse país, atingem os marginalizados, explorados e esquecidos do sistema sócio-politico-econômico;
5. Combater a criminalização dos movimentos sociais e dos legítimos protestos; a intimidação restritiva dessas liberdades fundamentais é vizinha da repressão e do abuso de poder próprios de regimes ditatoriais;
6. Efetuar reforma política efetiva, que coíba a nefasta influência do poder econômico no processo eleitoral e, mais importante ainda, que efetive os mecanismos constitucionais de democracia participativa;
7. Democratização dos meios de comunicação social – Somente com o cumprimento efetivo dos princípios constitucionais da produção e programação das emissoras de rádio e televisão é que a comunicação social via rádio e TV – serviço público – poderá ser efetivamente democratizada e deixar de ser utilizada como fator de desequilíbrio e de desestabilização do regime democrático. Mais ainda, poderá ser utilizada em proveito da liberdade ampla de informação e da intensificação de programas e debates qualificados, em canais abertos, sobre os temas políticos de interesse geral da sociedade, com crescente aprimoramento da consciência crítica e da cidadania.
Essas são premissas essenciais para que retrocessos autoritários sejam descartados. Somente eliminando por completo as nefastas heranças de uma transição “lenta, gradual e segura” poderemos realmente avançar nas conquistas democráticas. Aos cinquenta e um anos do golpe militar, é preciso bradar, permanentemente: Brasil, ditadura nunca mais!