Dois capítulos da Sergipanidade

Os sergipanos vibraram, na dobradura do século XIX, com a perspectiva de repor ao seu território, parte retirada pelo grande vizinho do sul, a Bahia, de quem Sergipe dependeu por todo o período colonial. A República trouxe um incentivo a mais, alimentando a idéia, a um tempo técnica, a outro tempo política, de fixar, para os tempos seguintes, quais eram os devidos limites entre Sergipe e Bahia. Governantes e pesquisadores, em uníssono, reviraram os arquivos, juntaram provas, redigiram memoriais, fizeram tudo para que houvesse a reparação justa da parte tomada. Não que fizesse falta de natureza econômica, capaz de motivar uma querela e fomentar uma inimizade. O que estava ferido, na alma dos sergipanos, e que doía como uma injustiça dói, era a afirmação da força dominante, do grande sobre o pequeno, que inferiorizava a luta afirmativa da gente de Sergipe, espalhada entre os rios São Francisco e Real. Aí, no reconhecimento do rio Real, estava parte das controvérsias.

 

Vários governantes do Estado patrocinaram pesquisas, estudos e publicações, dando à questão dos limites um relevo grandioso, a ponto de pautar a temática como prioritária na historiografia local. O magistrado Manoel dos Passos de Oliveira Teles, o professor Elias Montalvão, o historiador Francisco Carvalho Lima Júnior, o poeta João Pereira Barreto, padre João de Matos Carvalho, o general e deputado federal Ivo do Prado, dentre outros, produziram uma estante de textos, editados e postos em circulação, tratando da questão dos limites, ofuscando qualquer outro, deixado em segundo plano. Várias tentativas da diplomacia entre os dois Estados, a troca de delegados credenciados para o entendimento, as promessas legais de acordos que nunca foram concluídos, marcaram a luta afirmadora da e a conduta exemplar e de Sergipe e dos sergipanos, deixando clara a manifestação dos traços da sergipanidade, como causa do interesse de todos.

 

O tempo passou, mas o tema não perdeu importância. Coube ao então senador Francisco Rollemberg, integrante da Assembléia Nacional Constituinte, apresentar Emenda à Constituição em elaboração, restaurando os antigos direitos de Sergipe, sobre parte sul da fronteira com o Estado da Bahia. Foi o último gesto, consciente, valoroso, de um político que tem crédito entre os sergipanos. Os temas da historiografia mudaram, incorporando, de logo, a mudança da capital, de São Cristóvão para Aracaju, e outros interesses surgiram, unindo a população do Estado, como a exploração industrial dos minérios, a construção do Porto, dentre outros anseios.

 

Nos últimos anos, toma corpo a luta em defesa do rio São Francisco, em processo de transposição pelo Governo do presidente Lula. A pretexto de canalizar água para outros Estados do Nordeste, o Governo Federal tem sido insensível a todas as manifestações de desagrado, e aos protestos de lideranças políticas, religiosas e sociais que defendem a integridade e a sobrevivência do velho Chico. É uma pena que tenha sido um nordestino, que foi obrigado a entrar na diáspora do êxodo rural e ir para São Paulo em busca de trabalho e da sobrevivência, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que tenha assumido essa tarefa de carrasco, provocando o protesto de parte dos seus conterrâneos do Nordeste. Na questão da defesa do rio São Francisco, cujas águas abastecem Aracaju, através de uma adutora inaugurada em 1982, e recentemente duplicada, têm sido poucas as vozes que unem no mesmo grito de repúdio: o promotor Eduardo Matos, do Ministério Publico e da Universidade Federal de Sergipe, o professor Luiz Carlos Fontes, o deputado estadual Augusto Bezerra, que têm, efetivamente, trabalhado pela causa, à qual alguns outros nomes de políticos poderiam ser citados, como o senador Antonio Carlos Valadares e os deputados federais José Carlos Machado, Iran Barbosa, dentre outros.

        

Um nome, contudo, merece amplo destaque, o do ex governador João Alves Filho, que assumiu, de fronte erguida, a liderança do processo de discussão e de defesa do rio ameaçado. João Alves Filho tem sido, entre os políticos sergipanos, um homem que estuda, debate, escreve, publica, faz conferências, viaja para conhecer melhor os problemas do mundo, e acumula uma experiência que, algum dia, quando passarem as refregas partidárias e eleitorais, vai ganhar importância especial, como o programa de adutoras, principalmente no sertão e no alto-sertão, a irrigação, o abastecimento humano, através de vitoriosos projetos de iniciativa do Poder público, contando com a participação da iniciativa privada.

 

Depois de expor seu pensamento, em fóruns diversos, e de enfrentar a desfaçatez das autoridades, João Alves Filho insistiu em ampliar o campo do debate, reunindo muitos estudiosos para a publicação, dos mais qualificados, sob sua organização, do livro Toda a verdade sobre a transposição do rio São Francisco (Rio de Janeiro:MAUAD, 2008). O livro, de 254 páginas, que tem prefácio do jurista e pensador Ives Gandra Martins, e reune ensaios do próprio João Alves Filho, de Antonio Tomás Gonzaga da Mata Machado, Apolo Heringer Lisboa, Eduardo Matos, Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento, João Abner Guimarães Jr., João Suassuna, Jorge Khoury, Luiz Carlos da Silveira Fontes, geólogo, mestre e professor da UFS, e Manoel Bonfim Ribeiro, será lançado no dia 28 de outubro, na Livraria Escariz do Shopping Jardins, a partir das 19 horas, seguindo-se, no dia 29, o lançamento em São Paulo.       

 

João Alves Filho e os demais colaboradores sergipanos do livro dão a Sergipe, mais uma exemplo de consciência e responsabilidade com a história da terra e a trajetória do povo, expressando, com toda a clareza, mais este desafio que a sergipanidade impõe, como recorrência da sobrevivência.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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