Domingo. Uma palavra tão pesada. A gente termina de falar, e ela cai no chão como uma pedra. Domingo é um dia difícil de se viver. E aquele em especial estava terrível, porque era um dia quase. Quase chovia, quase fazia sol, as pessoas quase saiam de suas casas, mas, por fim, quase ficavam, assistindo a um programa quase bom, quase estúpido.
Ela estava sentada diante da janela e observava esse dia parcimonioso. Nada que passasse por aquela moldura aberta a inspirava a fazer qualquer movimento que não fosse o involuntário respirar. Ainda assim, havia uma vontade destemperada de sair à rua. Mas a indolência natural ao domingo juntava-se à modorra do dia nublado e a deixava numa situação dificílima.
Levantou-se e olhou a cidade de cima. Mas antes de sair, era preciso colocar uma roupa mais adequada, escolheu um vestido branco um pouco rodado e com motivos florais – porque era deselegante ser sedutora num dia assim e escolher o vermelho. Aos domingos, todas as moças devem estar juvenis e virginais. Todos estão propensos a amores românticos e poesias árcades.
Experimentou usar o chapéu de palha com enfeite de flores artificiais. Até que lhe caía bem, contudo hoje em dia não é de bom tom usar chapéu. Ah, mas estava tão bonita assim… Deu de ombros: sairia com o chapéu. Já não ligava mais para o que é de bom tom. Entrava, dessa forma, num terreno perigosíssimo! Pegou a bolsa com os documentos e outros cacarecos inúteis e saiu fechando delicadamente a porta atrás de si.
Na rua, achou melhor não pôr os óculos escuros, pois o dia não se decidia entre sol ou chuva. Tomou um caminho qualquer, porque não tinha mesmo para onde ir. (Avançava a passos largos no terreno perigoso, logo já não teria mais volta.) Andou vagarosamente por entre ruas a esmo. Observava cada coisa com meticulosidade a fim de preencher a sua tarde de coisas ínfimas.
Encontrou poucas pessoas em seu caminho. As pessoas estavam sérias, estavam fúteis, estavam tudo, menos poéticas. Isso era de uma realidade tão pontiaguda que poderia acabar rasgando o saco onde ela vinha guardando as mesquinharias domingueiras. E se isso acontecesse ela ficaria de todo vazia.
Entrou, então, numa pequena padaria para tomar um café e olhar através da vitrine. Abriu a porta com uma pressa quase desconcertante, até ela mesma se assustou, corou um pouco e passou a caminhar na ponta dos pés. Olhava o lugar com minúcia de governanta má. Ainda assim, sentou-se ao lado da única mesa ocupada. Quando percebeu, prendeu a respiração, mas já era tarde demais.
O garçom aproximou-se para anotar o seu pedido. Ela atrapalhou-se um pouco, pegou o menu apenas por tradição e, sem sequer olhar o papel, pediu um café com muito creme. (Quantos excessos será capaz de cometer num único domingo?) O homem se afastou e ela respirou aliviada só até lembrar-se que estava sozinha com um desconhecido. Olhou-o de esguelha. Ele lia o jornal indiferente. A solidão pareceu maior diante disso.
Ela ajeitou-se muito retamente na cadeira e olhou através do vidro à sua frente. As coisas não se mexiam muito lá fora. O garçom trouxe o café, e dessa vez ela portou-se como uma dama. Tomou um golinho: uma felicidade tão miúda! E todo aquele silêncio… Precisava falar com o homem ao seu lado para salvar-se. Precisava falar porque o silêncio era constrangedor e eles estavam sozinhos. Olhou-o novamente, ele não se importava com nada. Que audácia!
Tomou mais um gole, só que o silêncio a oprimia. Uma vontade de chorar tão sem jeito. Engoliu o choro junto a um golinho de café. E o homem permanecia calado. Tudo aquilo dava um frio tão grande… Tomou o café em grandes goles procurando se esquentar um pouco. Quando avistou o fundo branco da xícara, as coisas ficaram mais difíceis. Só se ouvia a folha do jornal sendo passada e um pigarrear longínquo (que poderia ser do moço do balcão). As mãos dela suavam; discretamente, enxugou-as na toalha da mesa. Era melhor sair dali o quanto antes, aquele silêncio a dois a maltratava infinitamente. Levantou-se ternamente e foi ao balcão pagar a conta.
Sentiu-se um pouco menos opressa na rua. Pôs-se novamente a andar. As mãos ainda suavam. E ela continuava à cata de coisas ínfimas para lhe acelerar o tempo. Ia sem rumo por entre ruas até deparar-se com um homem que vendia girassóis na tarde cinzenta. Aproximou-se dele quase aos saltinhos e comprou meia dúzia de flores. (Como estava excessiva!) Abraçou-as como náufrago que se agarra a um destroço de embarcação.
Passou por uma praça deserta. Afligiu-se, pois os domingos são dias propícios para praças cheias. Alguns pombos que ciscavam no chão voaram ao vê-la aproximar-se. Ela apertou ainda com mais força as flores contra o peito e correu. Ah… respirou aliviada: alguém vinha vindo em sua direção. Trazia alguma coisa nos braços. Aproximaram-se, pôde ver que era uma velha. A outra estacou na sua frente e ela também parou, congelada de susto.
– Minha filha, disse-lhe a velha, não queira nunca envelhecer… Aliás, ninguém quer mesmo morrer, né? É tão ruim, a gente quer andar, mas os pés não querem. Mas é melhor continuar. Sempre é, né?
Depois pôs-se a andar carregando atrás de si a solidão que a fazia falar até com estranhas mulheres em tardes de domingo. A outra ficou no mesmo lugar com seu vestido florido e seus girassóis. A realidade furou o saco. Todas as quinquilharias caíram por terra. O peso da beleza das flores a fazia vergar os ombros. O peso do domingo vazio pesava-lhe no corpo, o peso de ser doía.