Eduardo Cunha e o atropelo da Constituição

A volúpia com que o atual Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ) – com o respaldo da maioria conjuntural dos deputados federais – tem imposto à nação uma pauta conservadora e uma perigosa contra-reforma política fez com que, na última semana, inconformado com pontual derrota em seus propósitos, adotasse procedimento incompatível com a Constituição Federal, no ponto em que ela impede proposição, na mesma sessão legislativa, de matéria constante de proposta de emenda rejeitada.

Com efeito, na última terça-feira (26/05/2015), o Plenário da Câmara dos Deputados – surpreendendo o seu Presidente – rejeitou proposta de emenda à constituição que incluía expressamente em seu texto a possibilidade de partidos políticos e candidatos receberem doações de recursos financeiros por parte de pessoas jurídicas.

Inconformado, o Presidente da Câmara dos Deputados articulou a votação, na quarta-feira (27/05/2015), de outra proposta de emenda à constituição que inclui expressamente em seu texto a possibilidade jurídica de partidos políticos receberem doações de recursos financeiros por parte de pessoas jurídicas. Na quarta-feira, a proposta foi aprovada pelo Plenário.

Ora, a norma do § 5° do Art. 60 da Constituição da República dispõe claramente que “§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. Observe-se que a limitação constitucional, aí, incide sobre a matéria constante de proposta de emenda rejeitada. Tudo a impor interdição, apenas durante aquela sessão legislativa, de novas iniciativas formais que, no conteúdo, reproduzam iniciativas já derrotadas pela maioria. Tudo a impor que eventual nova tentativa de emendar a constituição naquele conteúdo rejeitado seja objeto de aprofundada e amadurecida reflexão da sociedade.

E dúvida não há de que a matéria constante da proposta aprovada na quarta-feira, 27/05/2015 (inclusão, na Constituição, da permissão de que partidos políticos possam receber doações de pessoas jurídicas) já havia sido deliberada – e rejeitada – na sessão do dia anterior, 26/05/2015 (inclusão, na Constituição, da permissão de que candidatos e partidos políticos possam receber doações de pessoas jurídicas). Melhor dizendo: a matéria aprovada na quarta estava contida na matéria rejeitada na terça.

Contra esse evidente atropelo da Constituição pelo Presidente da Câmara, diversos deputados federais de variados partidos políticos (PT, PCdoB, PSB e PSoL) impetraram mandado de segurança, a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (MS n° 3360, Relator Ministra Rosa Weber).

Trata-se, a propósito, de exceção admitida pela jurisprudência à regra segundo a qual é vedado ao Poder Judiciário interferir na tramitação de proposituras do Poder Legislativo. A exceção é a seguinte: parlamentares membros da Casa Legislativa podem propor mandado de segurança em defesa do seu direito líquido e certo ao devido processo legislativo, sempre que o ato praticado pela Mesa Diretora afronte norma constitucional que dispõe sobre o processo legislativo, conforme os precedentes apontados:

“O Supremo Tribunal Federal admite a legitimidade do parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo.” STF, MS 24667 AgR/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, J. 04.12.2003, DJ 23.04.2004

“O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional.” STF, MS 24642/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, J. 18.02.2004, DJ 18.06.2004.

Observe-se que não se está a apontar qualquer infringência a norma de regimento interno da Casa Legislativa, mas sim a norma constitucional que impõe limitação ao processo legislativo de emenda à constituição (a citada norma do § 5° do Art. 60 da Constituição da República).

Que o episódio sirva de lição à cidadania. O Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, conseguiu reunir apoio político significativo para a imposição, ao país, de sua agenda política conservadora e da contra-reforma política.

A derrota que sofreu não o impediu de atropelar a Constituição para tentar impor a constitucionalização da doação empresarial para campanhas eleitorais, uma das principais fontes de toda a lógica da corrupção do sistema político-representativo, como os sucessivos escândalos evidenciam.

É preciso coibir a nefasta influência do poder econômico no processo eleitoral e suas nefastas consequências no funcionamento cotidiano do sistema representativo, e não legitimá-la por meio de emenda à constituição.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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