Eleições com Humor – Parte II (Final)

E o plenário do Supremo Tribunal Federal referendou, na última quinta-feira[1] (02/09/2010), a liminar concedida pelo Ministro Carlos Ayres Britto na ADI 4451, proposta pela ABERT contra os incisos II e III do Art. 45 da lei eleitoral (Lei n° 9.504/97).

 

A maioria dos Ministros do STF entendeu, com o relator (Carlos Britto), que a norma do inciso II da lei eleitoral deveria ter a sua eficácia suspensa, até o julgamento definitivo da matéria. E isso porque essa norma proibiria o humor e a sátira em programas de rádio e televisão, envolvendo candidatos, partidos e coligações a partir de 01 de julho do ano da eleição.

 

Para o Ministro Carlos Britto, a norma cuja constitucionalidade é questionada pela ABERT censura o humor: “Tanto programas de humor, como o humor em qualquer programa, ainda que não seja programa específico de humor, mesmo em noticiários”. De acordo com o Ministro Celso de Mello, “a norma questionada traz, em uma análise superficial, ofensa a um postulado essencial, que é o princípio da liberdade de manifestação”, até porque “o riso e o humor trazem em si forte carga de expressão semiológica”.[2] Votaram com o relator, portanto, os Ministros Celso de Mello, Carmem Lúcia, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Ficaram vencidos os Ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski (o Ministro Joaquim Barbosa, de licença médica, não participou da sessão).

 

Esse julgamento do STF foi aplaudido pela imprensa e pela sociedade em geral. “STF confirma que programas de humor podem fazer piadas com políticos”, “STF mantém decisão que libera humor com os candidatos durante a campanha eleitoral”, “STF libera programa de humor para satirizar candidatos”, foram algumas das manchetes sobre o resultado do julgamento do STF (respectivamente “Folha de São Paulo”, “O Globo” e “O Estado de São Paulo”).

 

Como disse aqui na primeira parte desse artigo, publicado na semana passada, penso de modo um pouco diferente.

 

A norma jurídica que supostamente proibiria o humor e a sátira com candidatos, partidos e coligações seria a do inciso II do Art. 45 da Lei n° 9.504/97:

 

Art. 45. A partir de 1° de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário:

(…)

II – usar trucagem, montagem, ou outro recurso de áudio e vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito;

(…)

§ 4o  Entende-se por trucagem todo e qualquer efeito realizado em áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 5o  Entende-se por montagem toda e qualquer junção de registros de áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) (grifou-se).

 

Não me parece, repito, que esse dispositivo esteja a proibir que as emissoras de rádio e televisão veiculem programas humorísticos envolvendo candidatos, partidos ou coligações a partir de 01 de julho. Não enxergo nesse dispositivo essa proibição. O que ali se proíbe é o uso, por essas emissoras, de trucagens, montagens ou outros recursos que degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação. Parece-me que fez muito bem a lei eleitoral ao proibir que tais emissoras – veículos por meio do qual a União presta serviço público, a saber, o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens (Art. 21, inciso XII, alínea “a”) – degradem ou ridicularizem candidatos, partidos ou coligações, porque degradar ou ridicularizar alguém é aviltar a sua própria dignidade enquanto pessoa, e a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental da República.

 

Também não me parece que humor ou sátira sejam efetuados mediante degradação ou ridicularização de pessoas. Ao contrário, o Brasil é repleto de artistas que sabem fazer humor inteligente, crítico e satírico, sem necessidade de degradar ou ridicularizar ninguém.

 

Pois bem, mesmo os Ministros que concederam a medida liminar para suspender a eficácia do inciso II do Art. 45 da Lei n° 9.504/97 afirmaram que é inadmissível que haja degradação ou ridicularização de quem quer que seja na programação das emissoras de rádio e televisão, e não apenas no período eleitoral. Ora, mas é exatamente esse o único comando normativo aí disposto. Não se trata de proibir o uso de trucagem ou montagem “e” a ridicularização ou degradação de candidato, partido ou coligação, mas sim de proibir o uso de trucagem ou montagem “que” ridicularize ou degrade candidato, partido ou coligação. Se o uso de trucagem ou montagem não ridiculariza nem degrada candidato, partido ou coligação, o dispositivo não incide, ou seja, não há proibição.

 

Todavia, com a suspensão da eficácia do inciso II do Art. 45, a mensagem processual-normativa que é transmitida não é desejada pelos próprios Ministros que compuseram a maioria: é inconstitucional, em primeiro exame, proibir que emissoras de rádio e televisão usem de trucagem ou montagem para ridicularizar ou degradar candidatos, partidos ou coligações. Ora, se é inconstitucional, e o inciso II do Art. 45 da lei eleitoral não tem eficácia jurídica até segunda ordem, então as emissoras de rádio e televisão podem – porque não estão proibidas – usar trucagens ou montagens que degradem ou ridicularizem candidatos? Negativo, concluiu o Ministro Cezar Peluso: o dispositivo é inútil, porque o Código Penal não restringe os sujeitos passíveis dos crimes previstos nos artigos 138, 139 e 140 – calúnia, difamação e injúria. O jornalista não está isento desses crimes”.

 

Ora, se é assim, inútil foi a decisão do STF. O que o STF disse a lei já dizia. E a lei não vedava o humor nas eleições. Tivemos aí mais um exemplo de um caso de politização[3] de demanda judicial. Noticiou-se que a lei proibia o humor. Jornalistas e humoristas disseram-se temerosos em receber sanções da Justiça Eleitoral. Foi realizada uma passeata no Rio de Janeiro, de protesto contra o que seria a indevida “censura ao humor e à sátira”. Foi gerada ampla mobilização social e nos meios de comunicação, além da internet. Proposta a ação judicial, o STF priorizou o seu julgamento e concluiu aquilo que a lei já dizia: eleições com humor, porém sem degradação ou ridicularização de candidatos, partidos ou coligações.

 

Sendo assim, até me animo a fazer uma piada dentro de outra piada[4]: eu já sabia!


[1] Dissemos aqui que a sessão de julgamento estava marcada para a quarta-feira, 01/09/2010. E estava. Contudo, o julgamento não foi concluído na quarta-feira devido ao atraso na visita do Presidente da Colômbia à Suprema Corte. Resultado: o julgamento foi adiado para a sessão da quinta-feira. Convenhamos que visitas como essa deveriam ser agendadas em horários em que o STF não estivesse em sessão de julgamentos.

[3] Politização, mas não no sentido político-partidário.

[4] Alusão a “sonho dentro do sonho”. Não entendeu? Assista ao bom filme “A Origem” e entenderá.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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