Sempre chega o dia. Pode demorar anos, ou pode ser todo dia, algumas horas todas as noites, pode ser sempre, ou pode ser visita rápida de gente indesejada. Mas sempre chega o dia em que a página insiste em fica em branco e não há mesmo o que dizer. Apenas um tracinho preto de um centímetro piscando na tela branca. E mais nada. Nenhuma ideia é suficientemente interessante ou nada do que se tenha no coração está pronto para ser compartilhado, nenhuma ideia flui, nenhuma história surge. E o papel virtual insiste em ficar em branco.
E o deadline chega e não há nada a ser dito. Absolutamente nada de útil ou belo que possa ser dito. Aí eu simplesmente começo a tergiversar, a falar baboseira, a discursar sobre o nada, sobre o papel em branco, sobre os tantos deadlines que já enfrentei nessa minha vida. (Catarina sentada ali na minha frente me lembrando daquela fila imensa de releases a serem escritos) E a tela ainda em branco.
Pensei em não escrever hoje, em não falar nada, porque, afinal, não há nada mesmo a ser dito. E o silêncio é coisa muito preciosa em tempos de tantos ruídos. Mas pensei também que há um compromisso meu de escrever sempre às terças. (Raquel na cadeira do lado lembrando sempre que a pauta especial da semana era minha) E eu, com esse senso exacerbado de responsabilidade, mesmo que ninguém leia, eu mesma saberei que não cumpri o compromisso. Mas a mente mesma segue em branco.
Lembrei um dia entediado de chuva, eu e meu irmão em casa sem nada pra fazer, disputando quem conseguia passar mais tempo falando sobre nada. Ele ganhou, claro. Acho que falou uns três minutos. Imensa capacidade de conversar miolo de pote. Na universidade sempre usei essa capacidade mágica ao meu favor para apresentar os famigerados seminários. Passava longos minutos proferindo belíssimos discursos com palavras lindas e não dizendo absolutamente nada de útil. Já falei sobre muita coisa que eu não entendia ou não conhecia. E o pior é que eu era capaz de convencer as pessoas ao meu redor acerca do meu domínio daquele assunto. Embora no fundo, de certa forma, a página ainda assim permaneça em branco.
Lembro também de muitas crônicas muito bonitas de mestres queridos como Fernando Sabino e Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e João Ubaldo Ribeiro, e mesmo algumas poesias sobre a maldita página em branco a nos olhar insistentemente sem que dela possamos extrair a Verdade, o Belo, a Poesia. E o tempo implacavelmente segue adiante, e a paciência da editora se esvai junto com a areia na ampulheta. (Calma, Raquel, juro que publico alguma coisa ainda hoje!) O papel sorri divertido, ainda que esteja em branco.
E de repente, no falar sem dizer, vai-se preenchendo o branco com uns rabiscos pretos. Ainda que a página permaneça em branco de ideias.