Ensaio sobre a mentira

A pior mentira não é aquela que contamos ao outro, mas a que dizemos para nós mesmos. E que de tanto a pronunciarmos acabamos acreditando em nossa própria falsidade. O ser humano, em sua burrice nada econômica, não consegue se guardar em si e assim transborda em situações estúpidas e cheias de enganos. A mentira é a mola propulsora que faz o mundo progredir em escala lenta e tacanha.

 

Quase sempre começa ainda na infância, quando em diversas a criança vezes é tentada a omitir suas descobertas e necessidades fisiológicas. Os “adultos” reprimem-nas em nome de uma moral esdrúxula que prejudicará o caráter do indivíduo, perante os anos e situações que virão no futuro. Totalmente enganados, anulam momentos de realidade em troca de explicações desnecessárias para a formação da personalidade dos pequenos.

 

O resultado? Pessoas medrosas que não encaram suas vidas de frente e permanecem em rituais de enganação constante. A mentira não pode ser classificada como totalmente ruim. Existem àquelas que salvam vidas, países e amores e mesmo com pernas curtas são enfáticas em sua habilidade de preservar o outro. O que machuca mais é a omissão da verdade em troca de benefícios lúdicos de regressão. Não dá para querer abraçar o mundo sem oferecer nada em troca. A mentira é única e solitária em sua avareza de se querer resguardar certas arestas. “Os lábios mentirosos são abomináveis ao Senhor”, prega um dos provérbios da Bíblia.

 

Desculpas e mentiras andam de braços dados, numa espécie de nó. Quanto mais cedo é descoberta mais fácil será perdoada? Não, isso não é regra estabelecida, mas pode funcionar em algumas ocasiões. Mentirosos inveterados não merecem obediência nem clemência. A impunidade está na entrelinhas da ocasião falsa. O contrário da mentira pode ser também a sinceridade para consigo mesmo, porque trair pode até ser um gesto de gentileza perante o marasmo da relação, mas se enganar é de uma bobagem tão seca, sem nexo que deixa um cansaço no ar.

 

Segundo o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer que publicou em 1895 um texto abordando o assunto, “falar a verdade não é apenas uma questão de mentalidade, mas de conhecimento correto e de avaliação séria das reais circunstâncias. Quanto mais variadas forem as circunstâncias de vida de uma pessoa, tanto maior será a responsabilidade, como também a dificuldade, de ‘falar a verdade’… Dizer a verdade é coisa que se deve aprender… A realidade deve ser expressa em palavras”.

 

O mundo é pequeno para quem engana compulsivamente e mais ainda para quem não se atenta de que existe apenas uma vida para se tentar a sinceridade. As bobagens que criamos; os castelos destruídos sob um alicerce de areia fina sem cimento poderiam ser fortalecidos com substanciais verdades que amenizariam situações constrangedoras. Não conseguimos lidar com nada sincero ao extremo. É como se as relações (de quaisquer tipos) desmanchassem a partir do momento em que desmascaramos o existir. “Quanta loucura por tão pouca aventura”.

 

A malandragem do que quer se dar bem empaca na franqueza do que nada tem a esconder. Uma mesma pessoa pode dividir em seu campo de atuação o que ela irá esconder ou explicitar.

 

Ainda citando Bonhoeffer, “cada palavra vive e é originária de um determinado ambiente. Cada palavra deve ter e continuar no seu lugar… (hoje em dia até parece que) as palavras não têm mais peso. Fala-se demais. Quando os limites das diversas palavras se apagam, quando perdem suas raízes e seu habitat, a palavra perde também em verdade; a mentira instala-se quase que inevitavelmente”.

 

Acho muito difícil o jogo do esconde-esconde para sempre. O que é verdade e o que é mentira. Temos que escolher um lado, esse é o único jeito de sobreviver de forma sã. Não existe uma pessoa em sua totalidade mentirosa, mas em porcentagem em relação ao mundo que a cerca. É perecível esse tipo de coisa.

 

Essa visão já facilitou que desavenças acabassem sem um mero grito. Facilita o perdão quando sabemos que o mentiroso não é totalmente ruim. O que não ameniza em nada, porque a mentira dita ou feita (pois pode também ser uma ação mentirosa), já foi estrangulada e não há mais o que ser feito. Uma espécie de câncer descoberto tardiamente. Não existem tratamentos; quimioterapia, nada! Sobram soluços e tristezas.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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