Comecei no feriado do dia 21 do mês passado. Mudar nem sempre requer certeza do passo que será dado, mas como eu precisava rever alguns pontos, comecei a fazer uma lista de tudo que mais me agrada e não tinha um controle catalogado: Trecos, notinhas, cartas, CDs, DVDs e livros. Fui criando pastas no computador e organizando a coisa toda mentalmente. Minha ideia inicial era apenas transferir toda a tralha do meu quarto para o quarto de visitas. Só não imaginava que passaria meu passado recente pelos meus próprios olhos. Essa experiência vem durando algumas semanas e não tem data para acabar. Muito pó, concluo de antecipadamente. O ventilador de teto é uma droga-eficiente-que-acumula-pó-e-já-o-apelidei-de-Disneylândia-dos-ácaros (constatação infantil). Mudar é um processo duro e só percebi isso quando já não podia voltar atrás. Tem que ser tudo lentamente, pois as coisas para serem digeridas acontecem em processo vagaroso. A primeira lição que venho aprendendo disso tudo é que tenho facilidade com arrumações domésticas. Nada muito caprichado, pois para Amélia ainda falta muito, mas dou conta de limpar um quarto (pelo menos) sem me traumatizar com as dúzias de aranhas que vou encontrando pelo caminho – cito aqui a coisa em si, que dá trabalho mesmo, faz suar. As pequenas aranhas teimam em criar ninhos entre os objetos. Fico chateado, mas percebo que não tenho medo, encaro com dignidade qualquer animal (pequeno) que tente criar seus filhotes entre os meus pertences. Para chegar ao nível almejado (meu desejo de lugar limpo), já decidi que será preciso passar a vista por cada papel, recibo de conta paga, cartas que escrevi e não enviei e também cartas que recebi e nunca agradeci. Essa mudança está focada na perspectiva de rever o tal passado minuciosamente. Cada papel amassado tem um pouco do que quero reconstruir para transformar. De tudo que estou vendo esses últimos dias, a priori tive medo de abrir e bisbilhotar minha caixa de memória (todo mundo tem alguma caixa assim em sua vida, em sua casa), porque para mudar mesmo, primeiramente tenho que entender minhas histórias (as que construí com amigos, amores e família). Ao meu redor, vejo ainda alguns presentes que recebi e coisas que preferi consumir sozinho sem dividir com outras pessoas. Percebo alguns segredos de família anotados. Peças de roupas que não uso mais, mas que foram presentes de minha tia Gizélia. Muita coisa que ainda me consume e me faz ver que apesar dessa mudança está acontecendo agora, neste lento percorrer, já vivi outras mudanças no percurso desses 29 anos. Me deparei com uma antiga carta de um amor simples que tive há sete anos. Simples, porém cheia de sentimento (que no final é o que vale a pena)… “Hoje sei que só tenho a agradecer duas criaturas pois não existem palavras para representá-las. Primeiro: Deus, por ter colocado um anjo em minha vida (os anjos quase sempre são iguais, porém esse Ele fez e decidiu jogar a fôrma para que não pudesse existir outro). Em segundo lugar (quero agradecer) ao próprio anjo, que chegou devagar e num picar de olhos já estava me fazendo feliz sem medir nenhum esforço. Chegou atribuindo mensagens, ações de afeto, carinho e amor…”. li esse trecho e fiquei me questionando se hoje, tantos anos acabado, todo esse amor teria algum grau de validade? Obviamente que não! Não vejo essa pessoa há alguns meses e aconteceram tantas coisas no trajeto, que hoje nada daquilo significa muito para ambos, pois mudamos, quer dizer, eu pelo menos, tenho certeza disso! Eu não sou o mesmo “anjo” e não quero esse título, porque já fui demônio em outras ocasiões. O “anjo” daquela época já tinha sido a pior pessoa que outra pessoa tinha conhecido. A vida é uma mudança constante. Nada de sagrado no mundo real convive muito tempo imaculado em meio à Tecnologia e ao amor fugaz. Não adianta criar personagens perpétuos, pois a coisa toda um dia esmorece e em muitos casos, morre. Digo isso, porque já escrevi muito e principalmente para pessoas que não mereciam uma única palavra de amor sequer. Ainda neste mesmo processo da arrumação, encontrei outra carta onde então declarei meu amor por uma pessoa insalubre. Na época em que escrevi, começava o processo da dor que iria me aproximar de quem sou hoje. Escrevi uma carta de segredo para meu grande amigo André Angello, falando sobre meus sentimentos por uma pessoa que amei muito, mas fiquei tão envergonhado de falar com ele sobre este caso, que preferi nunca lhe enviar a tal confissão. Acho que na época tinha medo de me julgarem de forma torpe. Eu lembro que precisava de apoio, pois tinha me apaixonado e não estava sendo correspondido. Tem coisa pior? Só os amigos podem dar força nesse tipo de diagnóstico da vida – ver isso tudo me faz calcular agora mesmo, que não mandar a carta, foi falta de coragem e não medo do julgamento. Arrumando os arquivos, nesses dias de poeira e chuva, me vi rindo, contente de não ter jogado essa carta fora. Hoje, ela é simplesmente o registro de algo que me aconteceu e me faz perceber o quanto podemos mudar com a luz do dia, que pode cegar os injustos e petrificar os fracos. “…Começo hoje (7 de maio de 2005), às 14h01 e não sei até quando vou escrever essa carta. Pode durar dias ou não, mas estou escrevendo com o coração na mão e chorando por não saber (ao certo) o que estou sentindo… Não tinha a intenção, agora, de gostar de ninguém… Amigo, tenho me anulado e tentado tirar alegria, mas está complicado…Conheci alguém no pior momento da vida dessa pessoa, só não sabia que automaticamente se transformaria no pior momento de minha vida também…”. Não, hoje não escrevo mais para nenhum amigo contando minhas desavenças no amor, no trabalho, na solidão do cotidiano. Os que eu considero muito importante tornaram-se parceiros de jantares, onde falamos sobre o tudo que nos compõe: amor e trabalho (coisas íntimas ou não). O que tinha me cegado antigamente (comparando pelas cartas que estou lendo durante essa faxina em minha vida), não surte mais o mesmo efeito. A casca dura do desconsolo de viver faz com que os mais sábios sobrevivam livremente, mas sem grandes expectativas. Essa verdadeira mutação vem me trazendo um ar de desesperança em encontrar nos objetos guardados, um pouco do que antes me movia e me comovia (o que é mais importante). Ainda bem que resolvi tocar para frente essa arrumação, essa loucura. Penso que assim posso ajeitar as folhas secas que faziam parte do meu passado. Vem sendo nítida essa curiosa necessidade de guardar o antigo, para vasculhar o que passou sem perder o fino trato dos detalhes. Meus rascunhos e anotações nos momentos mais difíceis estão também guardados. Não os doarei (como pretendo fazer com as roupas e livros didáticos velhos). O que é pessoal pode virar Literatura, acho que já é Literatura. Estamos mudando a cada segundo e quando resolvemos abrir os caminhos para as novidades da vida, numa arrumação, por exemplo, é que estimulamos a esperança ou não. Tenho a vontade de consumir o que me construiu e ao mesmo tempo vem batendo uma tristeza nisso tudo, porque nada me motiva mais a nada de tão grande, de tão juvenil sentimento. Apenas me compõe como memória viva (e nada mais). Hoje é dia 12 de maio e ainda continuo arrumado meu quarto, meus papéis, minha vida. Sei que o quê não cabe mais devemos passar adiante, algumas coisas passarei como já escrevi, mas, minha memória precisa do tátil, por isso as tralhas guardadas. Acho que mudar é sobreviver ao ínfimo viver. “… O que eu sabia ruiu. Iluminado pela luz de alegria azul. Ninguém viu, só eu e o que eu sabia, morreu. E o que eu sabia, morreu…” (trecho da canção Manhã Azul interpretada pela cantora Mariana Aydar).
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