Ensaio sobre o definir

… e que mania é essa que temos em querer definir tudo, hein? Precisamos de uma segurança para sobreviver ou classificar as coisas é uma espécie de comodismo, para que não nos desviemos do que se convencionou como certo? Observe que existe diferença entre segurança e comodismo. O primeiro corresponde ao que se estabeleceu como regra enquanto o segundo é presenciado empiricamente. Quando crianças, as definições cercadas de recomendações dos nossos responsáveis serviam para que os limites estabelecidos fossem visualizados de forma mais clara. O céu é azul porque é azul. E ponto final. Mas, daí crescemos e percebemos que entre uma cor e outra existe um leque de opções que põem em dúvida a certeza de antes. Antes do azul claro do céu existe o branco e uma palheta de outras cores que misturadas formam vários tons. Então o céu não é totalmente azul, ele tem variações. E ponto final também.

 

 

O maior choque que um adulto pode ter na vida corresponde justamente a não saber definir seus sentimentos. As palavras não poderiam ser as únicas responsáveis pelo desenrolar das relações. É preciso se pensar sobre o sentimento para que ele ganhe uma proporção efetiva. Não definindo-o. Lidamos tanto com as palavras que colocamos os nossos sentimentos numa espécie de caverna secreta, tornando-os ainda mais primitivos. Esconder é mais fácil do que tentar se criar uma construção racional.

 

 

O não classificar de um sentimento pode significar dar vazão ao extenso existir da coisa em si. A partir do momento em que não precisamos mais conceituar nada, tornamos mais suscetíveis nossas certezas? Pode ser! Mas quando estamos dispostos a trabalhar o sentimento como algo orgânico que encolhe e aumenta, acaba ou se prolonga sentimos a verdade. E isso vale para qualquer coisa de nossas vidas. Rotular é algo pronto que basta esquentar, é industrializado e faz mal.

 

 

Perceba que os maiores casamentos (não me refiro apenas ao convencional e estendo a ideia para todo tipo de relação familiar, de amizade ou afinidade), só duraram muito tempo, porque seus envolvidos passaram também muito tempo trabalhando seus conceitos, pensando e repensando sobre como adequar a vida ao sistema que se modifica diariamente e faz crescer juntos.

 

 

O sentimento e a catalogação não andam de mãos juntas. Pois existe o risco que de dentro do estabelecido, algo caia fora do balde e acabe machucando. Trabalhando paulatinamente as relações é mais tranqüilo convencionar as novidades que vão surgindo no caminho. As pessoas se comungam melhor quando passam a liberar seus sentimentos como eles são (aceitando-os assim também). Classificar significa podar uma árvore que ainda nem deu fruto. A filosofia mostra, por exemplo, que o homem moderno esqueceu-se de pensar sobre sua própria vida. Olhamos a vida alheia como forma de sobrevivência aos desmantelos.

 

 

Quando os filósofos sugerem que devemos parar de querer conceituar e passemos ao patamar do questionamento, muita gente acha estranha a colocação porque a condição de ser humano não pensante faz parte de nossa cultura. Não indagamos nada, aceitamos os conceitos já estabelecidos como única resposta e assim acabamos com aquilo que nos distingue dos outros animais: os sentimentos de afeto conscientes. Esquecemos de viver e passamos a sobreviver enquanto habitantes deste planeta.

 

 

A filosofia é uma fonte inesgotável de des(conceitos). Cada linha ou autor possui sua explicação teórica, cabendo ao seu consumidor escolher a que melhor se encaixe em seu perfil. Mas não se trata de algo para o resto da vida e sim para um momento específico.

 

 

Na Internet encontramos o site www.wikipedia.com.br que nos dar um parâmetro sobre um possível retrocesso no tocante ao estabelecido. O Wikipédia (a enciclopédia livre), é um instrumento de redefinições, um tipo de dicionário digital, só que com um detalhe:  ele é modificado com o passar dos dias, das novidades. Trata-se de um lugar que conceitua tudo, mas que não finaliza o termo abrangendo qualquer ponto a ser acrescentado.

 

 

Proponho aqui, caro leitor que levemos um “estilo de vida Wikipédia”. Utilizando conceitos para que nós mesmos criemos nossas certezas, modificando-as sempre que for necessário. Simplesmente seríamos mais felizes pensando sobre nossas vidas, incertezas e possíveis certezas, ao invés de colocar o que sentimos num buraco escuro para protegê-las. Não devemos proteger o que é necessário de experiência da vida para existir. Não cabe vestir o sentimento com a roupa do já estabelecido (principalmente por fatores externos ao nosso próprio raciocínio). Não caí bem, saiu de moda.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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