Ensaio sobre o fim da delicadeza?

É complicado, eu sei, mas, como conviver sendo homem e tendo de matar a delicadeza em nome dos brutos, diariamente? Falar sobre esse tema dá suposições que não acabam mais. Delicadeza deveria ser terra de todos, porém alguns poucos ousam pisá-la. É uma pena.

Queria acordar um dia e enquanto via o dia amanhecer, perceber o quanto os outros estão se esforçando para fazer bonito, o melhor de suas vidas. Até tento, consigo algumas vezes mas quando me deparo com certas “performances” estranhas, o encanto acaba, a delicadeza rompe.

 Quero fazer entender aqui que a delicadeza que trato não se enquadra apenas em trejeitos, gêneros femininos. Ela vai além do que se vê a poucos metros (ou muito pertinho). A delicadeza é quase um estado de espírito que necessita ser provida de significado para existir.

Agradeço as pessoas de minha família, que me ensinaram sobre a delicadeza mesmo sem querer. Minhas tias principalmente são mulheres delicadas e cheias de graças. Nasceram de pais problemáticos, que se separaram logo cedo, e ainda assim elas viam o mundo através do remendo de suas roupas. A partir de suas lágrimas e tudo era lindo. São mulheres fantásticas e soma-se a elas a minha mãe: digna e louca ao mesmo tempo [ainda escreverei um romance inteiro sobre ela, sem contar nada sobre esse trabalho. Será segredo e impresso apenas para ela sabe o quanto a amo].

Mas voltando ao assunto…

As referências familiares de delicadezas que tenho acabaram me fabricando um muro, que vai sendo quebrado todo dia. Se sinto falta de algo de meu passado, certamente das tardes no quintal de nossa casa, onde tudo era possível. Ainda sinto o cheiro da erva cidreira que tantas vezes serviu para um chá.

Aprendi a selecionar meus amigos pela delicadeza de suas vidas. Quase todos são filhos de pais separados (como eu). Quase todos são generosos e acima de tudo aconchegantes. Quase poltronas de pano. A perda continua de minha delicadeza enquanto homem vem dos que me cercam de forma indireta. Não tenho como evitar não ser atingido pela grosseria dos que encontro.

Vejo pessoas amargas que mancham a vida dos outros. Convivo com indivíduos inconstantes [se existe algo que me deixa assustado são pessoas planejadamente inconstantes]. Ainda assim aceito os demais, porque sei que sou aceito também e porque acima de tudo a delicadeza, que ainda existe em mim,  acaba me fornecendo paradigmas para amar até quem me deixa furioso.

Vi uma classificação para delicadeza que me chamou a atenção e me deixou ainda mais emotivo. “Delicadeza é uma coisa boa”. Só acho uma pena que ela esteja morrendo assim sem chance de salvação. Sei que não possuo a chance de mudar destinos ou ainda de salvá-la, mas se eu pudesse fazer um pedido seria que a delicadeza caísse dentro dos estádios de futebol e rolasse igual a uma bola da Nike, fabricada para ser chutada pelos craques.

Piadas à parte…

Desejaria, é claro, que alguns amigos e conhecidos aceitassem que a delicadeza é possível e que por mais que sejamos obrigados a mudar isso, devemos nos forçar a acatá-la para que assim a vida não seja tão dura, amargar assim tipo um sertão cinza.

Sobre a delicadeza quero informar que mesmo mastigado por dentes alheios vou respirando fundo, sabendo o quanto é prazeroso ter um momento meu, para me refazer das mordidas.

Quero dizer que ainda investirei na delicadeza para que ela fique dentro de mim, pequena, ainda assim convicta que tem seu espaço na minha vida.

 

 

 

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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