Ensaio sobre o medo

Só tem medo quem possui respaldo para tal. Mesmo que seja algo imaginário, ilusório, é preciso tem um embasamento para justificar o temor. Temos medo de sofrer, nos enganar, da rejeição, da pobreza, doença e por aí vai… Acho que de todos os medos, o maior e mais devastador é o medo de nos auto-analisar, que acaba desencadeando no medo da morte, o final de tudo.

 

 

Vivemos no imediatismo das horas. E pensar sobre nossas próprias vidas concluindo que a morte é a única certeza, pode paralisar os mais bravos. Quando criança, nos são colocadas barreiras imaginárias que nos impede de prosseguir. Temos medo de tanta coisa que não existe, mas, o simples fato de confiarmos no outro (adulto) e principalmente em seu tom ameaçador, já nos dar subsídios para evitarmos contrariar nossos responsáveis, então obedecemos. Até aí, nenhum problemas, porque esse tipo de medo nasceu de um estímulo externo, sem criar muitos traumas.

 

 

Então um dia crescemos e nos deparamos com a vida que é muito mais ameaçadora do que imaginávamos. O foco muda de perspectiva e nos traz para quem realmente somos. As nossas bad trip, os nossos desconsolos, nossas frustrações ganham ares de entidades e se mostram detentoras de nossas ações. O medo, aqui, tem nome, motivo e conseqüência. A auto-flagelação é justificável quando temos algum receio. O medo de ver proclamada nossa razão em busca de espaço para sobreviver às ilusões, acaba nos fortalecendo e também nos fragilizando em relação ao outro.

 

 

Na maioria das situações da vida adulta, o medo torna-se fundamental para fazer aflorar as reações racionais. O medo de amar, por exemplo, esse é o mais gracioso de todos, pois o ser amado e o ser que é amante, cada um tem seus próprios receios e mazelas; tudo são fatores que precisam ser levados em consideração. E a compreensão de ambas as partes é fundamental para que a coisa flua. Por isso, essa relação muitas vezes é tumultuada. As pessoas não querem mostrar seus medos ao outro, prefere guardá-los e assim acaba valorizando demais as coisas simples, dramatizamos nossas ações por causa do medo que temos.

 

 

Para os medos simples existem soluções também tolas. Para o medo de barata, basta perceber que se trata de um inseto menor e que com uma vassoura ou um belo veneno se resolve rapidinho esse problema. Já para o medo de elevador existem duas opções: escada ou só entrar quando estiver acompanhado. Com relação ao medo de avião (um dos meus principais) é relaxar com alguma leitura satisfatória ou até mesmo uma boa música. Se a parceria for agradável, uma boa conversa pode amenizar a coisa, sem tocar no assunto medo de voar, porque assim o sentido pode não ser tão tanquilizante.

 

 

Com relação aos medos mais sérios, como por exemplo o de envelhecer, só resta apelar para a razão da coisa em si ou quem sabe um bom cosmético. Cirurgia poderia amenizar, mas, e quem tem medo de agulha? Recentemente, a atriz Fernanda Montenegro deu uma entrevista onde reconhecia o peso de ter quase 80 anos. Ela afirmou que 20 anos a menos faria uma grande diferença, mas explicou também que ter 80 anos pode ser algo supremo do ponto de vista da consciência de ter a idade que tem e ainda assim produzir e saber mais sobre a vida. É a questão da experiência dos mais velhos, que sempre conta muito nesse processo.

 

 

Fugimos de tudo que nos envelhece porque assim temos a infantil ideia de que não estamos perto de seguir o rumo do destino; a tríade: nascer, crescer e morrer. O medo percorrer todos os estágios da vida, basta parar um segundo para pensar sobre. O medo só se supera com conhecimento de causa e coragem.

 

 

Quando temos mais pavor conseguimos nos safar da melhor forma. Um gato nunca cai deitado, porque é natural de sua espécie ser sagaz. Ele sempre se garante com suas quatro patas. Saber quais são os nossos verdadeiros medos é fincar o pé no solo e estar preparado para enfrentar o combate. Somos mais fortes em momentos de necessidade, muito mais rápidos quando temos que sobreviver.

 

 

Para a filósofa Márcia Tiburi, o medo é praticamente algo sem conceito concreto por se tratar de um sentimento. O que já o torna difícil de ser analisado do ponto de vista de que não existe uma fórmula para enquadrá-lo. A pensadora coloca o medo na esfera política e consegue fazer uma relação um tanto justa. “Thomas Hobbes, filósofo do século XVII que tornou famosa a frase de Plauto ‘o homem é o lobo do homem’ foi um dos poucos a pensar o medo como um sentimento manipulável que estaria na base da fundação do estado social. O homem, em vez de ser solidário e parceiro de seu semelhante, seria, na verdade seu maior inimigo. Em função disso, a autoridade política teria o desempenho específico de proteger os homens uns dos outros. Sem medo não haveria governabilidade, mas o governo deveria justamente tornar a vida das pessoas livre do medo…”. O que torna o assunto um pensar sem fim, num círculo racional.

 

 

Admitir que temos medo é a única forma capaz de nos fazer desistir de acreditar no próprio medo. E assim começamos a nossa particular viagem interior rumo ao conhecimento dos nossos sentimentos. Acreditar é o primeiro combate para vence o medo. Coragem é essencial, mas é ilusório pensarmos que acabando com todos os medos podemos sobreviver melhor e atingir nossos objetivos. Como diz o psiquiatra e escritor Flávio Gikovate “a gente não vai sem medo, a gente vai apesar do medo” – ato funcional que surge a partir do desenvolvimento da coragem de agir em prol de si e dos outros, o que caracteriza a convivência em sociedade.

 

 

E você, tem medo de alguma coisa?

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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