Epitáfio da Constituição aos 30 anos?

Ao completar trinta anos, a Constituição-cidadã de 05/10/1988 enfrenta o seu maior desafio.

Com efeito, apesar de tão golpeada, ela ainda tem resistido aos duros ataques à estruturação normativa do Estado Democrático Social de Direito como promessa por se realizar.

Todavia, no contexto de uma expectativa (que cada vez mais transparece como ingênua, vã, utópica …) de que as eleições gerais de 2018 possam ser o início da retomada da normalidade institucional democrática, refundando a legitimidade popular do sistema representativo após o golpe de 2016, tem-se um cenário sombrio, no qual da grave crise política resulta apoio a uma candidatura presidencial – indicada nas pesquisas eleitorais como à frente das demais, ainda que sem maioria absoluta para vitória já no primeiro turno –  que aberta e assumidamente rompe com todos os parâmetros de democracia, de dignidade da pessoa humana, de pluralismo, de diversidade, de tolerância e respeito, princípios fundamentais da Constituição.

Esse candidato a Presidente da República, em sua longa trajetória política como deputado federal, já se manifestou claramente e em diversas ocasiões, por exemplo: a) em apologia à prática da tortura e em apologia a torturador, com explícita referência a métodos adotados durante a ditadura militar; b) em postura homofóbica; c) em postura machista e de menosprezo às mulheres.

Como se não bastasse, esse mesmo candidato já flerta com a não aceitação do resultado da eleição se, ao final, não se sagrar vencedor.

Some-se a isso declarações do candidato a Vice-Presidente da República dessa mesma chapa, no sentido de que uma nova Constituição deveria ser elaborada por uma “comissão de notáveis”, sem qualquer respaldo de legitimidade democrática na origem, portanto.

Quanto a esse específico aspecto – falar-se em elaboração de uma nova Constituição e portanto em ruptura com a atual – em nada contribui a abordagem da candidatura presidencial que desponta, nas pesquisas eleitorais, na segunda colocação, no sentido de “criar as condições para a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte”. Isso porque não estamos em momento constituinte.

As reivindicações populares ativas e passivas não são por ruptura com a atual Constituição, mas, ao contrário, pela sua devida e efetiva concretização. De outra parte, a Constituição de 1988 não perdeu a sua legitimidade, como ocorre em situações de forte e intensa ruptura política, situações nas quais é impossível reformar o ordenamento jurídico vigente para atender aos reclamos nacionais.

Por mais que haja um sentimento difuso “antissistema”, é possível construir as bases jurídico-normativas da ampla reforma do sistema sem com ele romper, até porque da sua ruptura pode resultar um quadro ainda pior e mais regressivo do que o que se apresenta na atual conjuntura.

A Constituição de 1988 fornece todos os mecanismos para as reformas necessárias, seja na potencialização da democracia participativa, seja na reforma política do sistema eleitoral-representativo, seja no combate à corrupção geral e à corrupção do sistema político, seja para o conjunto das demandas sociais.

Romper com a Constituição-cidadã de 1988 e com o Estado Democrático Social de Direito por ela estruturado não parece ser o melhor cenário de boas perspectivas para o futuro, mas é a ameaça real e concreta contra a qual a cidadania deve lutar, e é uma decisão soberana cujo primeiro passo está a mão, nas eleições de outubro de 2018.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais