Parece que começou ontem uma nova estação por essas terras: o tempo de chuva. Eu, nordestina nata e nascida, me recuso a ficar com essas pouquíssimas quatro estações tão europeias. Nas terras por onde passei e morei, aprendi que existem muito mais estações, ou tempos como se costuma dizer por aqui, do que querem crer os livros de ciência da nossa infância. Aliás, acho “tempos” a palavra mais adequada mesmo, são mudanças sutis ou abruptas que marcam a passagem do tempo, da vida, fim e início dos ciclos que se desenrolam no nosso existir.
Em cada canto que eu chego, gosto de listar os tempos que marcam a vida daquele lugar. Aqui em Aracaju, por exemplo, agora começa o tempo das chuvas. De repente, fecha o tempo e o céu lava tudo, desce em enxurrada para varrer a poeira. Há uns anos, isso significava também alguma queda mais acentuada na temperatura, mas agora isso são passados remotos, em tempos de aquecimento global, é só chuva mesmo. Nos tempos de chuva, faz um pouco menos de calor e o céu é mais cinza que azul, chove de manhã e à noite, e às vezes fecha o tempo de vez e chove o dia todo. É recomendado andar sempre com um guarda-chuva, e nessas cidades sem sistema de drenagem das águas das chuvas, uma bota de plástico também é bem-vinda.
E daqui pro final da outra semana, começa o tempo das fogueiras. Pois sim, senhor e senhorita, isto é sim um dos tempos destas terras. É esse um ciclo importantíssimo! Época de acender as fogueiras na frente de casa, sentar-se por perto, talvez assar milho na brasa, contar umas histórias à beira do fogo e aquecer o coração. Por aqui, nem o tamanho da cidade, que se alarga em desesperos, espantou ou amainou o tempo das fogueiras. Elas seguem sendo acesas nas noites menos chuvosas, quer seja dia santo ou não.
Esse tempo sempre foi importante pra mim, porque marca a metade de um ano. Entre uma fogueira e outra, é bom fazer um balanço e repensar os rumos até o final do ano. A chuva, aliás, nos convida a ficar mais em casa, no casulo, aproveitando o barulhinho bom e a enxurrada nas ruas pra matutar sobre a vida e as não-coisas de existir.
As fogueiras se vão com o final de junho, mas as chuvas se estendem até quase setembro. Aí começa o tempo das beldroegas – ou berdoegas, como se diz no norte da Bahia. É tempo de pastos floridos, de beldroegas amarelas, é tempo, aliás, de se abrirem todas essas flores sem nome e que estão a um passo de serem classificadas como mato. Elas surgem nos canteiros das cidades sem que ninguém as tenha plantado lá, brotam nos pastos e nas terras sem uso, trazem um tipo de beleza dura e forte para os lugares mais impensáveis. É algum tipo de primavera talvez, mas só para essas plantas.
Ciclo encerrado com o tempo das trovoadas. De repente, o céu azul escurece e um raio luminoso surge no horizonte, o trovão vem como um estouro de boiada, estremecendo as cidades e as pessoas. Em outras épocas e outros lugares em que havia um temor reverencial por essas forças da natureza, esse era um tempo de silêncio quase forçado. Não se falava muito, tampouco se falava alto durante uma trovoada. Todos ficavam meio quietos, observando com grave respeito a natureza demonstrar sua força e agressividade.
Logo depois, pelo menos em Sergipe, vem o tempo das amendoeiras outonarem. Aprendi de olhar e ver que aqui nestas terras elas preferem perder as folhas lá pelo fim do ano, quando o calor se aproxima. Elas começam a amarelar-se e avermelhar-se entre outubro e novembro, e suas folhas pesadas e duras caem em dezembro. Chegam a janeiro sem uma folha sequer, como se fora ali o seu inverno.
Essa é também a época do calor e da estiagem. As temperaturas começam a subir já em fins de setembro, para atingir o limite do impossível em fins de dezembro. Nestes tempos, as sombras das poucas árvores que sobraram são disputadíssimas nas ruas das cidades sergipanas. Não, as temperaturas não baixam em janeiro, mas quase em fevereiro começa a soprar uma brisa vinda do mar. Embora nem isso diminua a sensação de viver dentro de um forno ligado. Para compensar toda a suadeira, esse também é o tempo do céu mais lindo. Há os tons de azul que doem no coração de tanta beleza e as horas do dia em que nenhuma nuvem se apresenta para se sobrepor à beleza de um azul tão infinito. No cair da tarde, o céu se transforma numa paleta de cores que variam dos rosas amarelados aos púrpuras densos.
Em fevereiro começa o tempo das marés altas. O mar começa a se encapelar num crescendo que dura até março, como cantou Jobim. O mar emprenha em fevereiro e fica mais buchudo em março – por essas e outras que sempre achei que mar devia ser substantivo feminino e não masculino. E as temperaturas começam a ficar mais aceitáveis também. Pelo meio do março, começa o tempo do milho, ou a contagem regressiva para o tempo das fogueiras. Plantar o milho em março é como guardar a esperança de viver a alegria de junho, ter fé que vai ter junho esse ano – apesar de tudo!
Segue-se um período de entretempos, de chuva e sol se revezando, temperaturas altas e nem tão altas, umas plantas que florescem e uns frutos que amadurecem, tempos de muitas coisas acontecendo e nenhuma delas forte demais para definir esses tempos. É como um preparo, um descanso das marés e do calor, para que se iniciem as chuvas e as fogueiras. E recomeça o ciclo inteiro.
Não é que por aqui não tenha estações, é que aqui contamos os anos em tempos, e eles são muitos e muito bonitos e cheios de vida.