O Hospital João Alves é a certeza de que o inferno não são os outros – no dizer de Sartre – o inferno é aqui. Acompanhando um parente, estive no inferno. Os funcionários – nenhum – têm culpa. É desumano, sobre-humano mesmo a realidade. Deve-se, urgentemente, realizar uma campanha de triagem na porta do Hospital, nas Tvs, rádios e jornais. O Hospital João Alves não é um matadouro. Não é para atender casos ambulatoriais. É para urgências. Casos graves. Pessoas sentadas no chão, outros com dores de cabeça simples e sangramento de nariz, pressão alta – tudo isso pode ser tratado nos postos espalhados pela Capital. O Posto de Saúde de Socorro não é aberto 24 horas. Por quê? E o dinheiro destinado a este serviço? A verdade é que o João Alves virou estado de calamidade pública. As especialidades médicas estão sempre de sobreaviso. Urologista tem que se ligar. Enfim, morre-se só de entrar no Hospital. Macas nos corredores, gente gritando, outros gemendo, guardas na portaria sem condição de estarem ali – de firmas terceirizadas. Lágrimas de uma saúde falida. As enfermeiras, assistentes sociais, chefes de área – todas fazem – é verdade- o que podem. Além do que podem. Não se muda o João Alves sem uma campanha intensa de seleção de casos urgentes e ambulatoriais apenas. As Prefeituras de Sergipe, incluem-se aí, também, algumas da Bahia e Maceió – deveriam ser responsabilizadas e obrigadas a não trazer pacientes para o João Alves, num desfile de ambulâncias de outros Estados pelo estacionamento do hospital. José Lima Santana, Secretário de Estado da Saúde, talvez nem saiba do caos. Ponha Zé Lima para Secretário de Finanças e um médico para Secretário de Saúde. Se bem, pelo visto e histórico, não muda muita coisa. Médico mal consegue administrar seu consultório. Tem que ser um técnico ou o inferno continuará sendo ali.
Veado, preto, pobre…
Não saiu uma nota. Mas as Ongs de diversidade sexual, informam que assassinaram mais um homossexual em Sergipe. Um travesti de nome Laffont, negro, pobre e gay foi espancado até a morte no Porto Dantas. Que sociedade é esta, que mata-se alguém ainda, porque é preto, pobre e veado. Um dentista foi assassinado no Rio de Janeiro, simplesmente porque era negro. Aracaju é uma cidade homofóbica. Cheia de gente estranha e esquisita, mas que atira a pedra na Geni. A Secretaria de Segurança Pública deu um salto qualitativo criando a Delegacia destinada ao Público Vulnerável, na avenida Augusto Maynard. O que falta é uma política de segurança para prender os assassinos que continuam soltos, bebendo 51 num bar qualquer de esquina.
América católica
Gloria Perez perdeu a oportunidade de se firmar como a primeira escritora novelista a colocar um beijo na boca de homem com homem, em horário nobre, pela americana Rede Globo. A América Católica, faz com que o peão passe a ser sustentado e assumido pela fazendeira, num tempo em que as mulheres estão bancando seus amantes, homens ou o que quer que chamem estas relações. Mas o garoto apaixonado pelo peão, finge o beijo, dissimula o gesto e nada. É a Gloria Perez do faz-de-conta, de sua novela viciada em trazer os amigos para a tela – no famoso toma-lá-dá-cá. Você me adora, eu te dou um papel.
Fanese
A partir do dia primeiro de novembro, a Fanese começará a receber a documentação dos
alunos que desejam ingressar na Faculdade através da Transferência Externa. Os candidatos
deverão entregar os documentos, na secretária da Faculdade situada no segundo piso do
Shopping Riomar. Não perca esta oportunidade! Maiores informações pelo telefone:
0800-7026400.
Para ler e guardar
PHOTOMATON & VOX
Herberto Helder
Lisboa, Assírio & Alvim, 1995
Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.