A experiência em trabalhar na prevenção no Fan Fest durante a Copa do Mundo em Salvador foi excelente por vários aspectos. Em primeiro lugar, realizar um trabalho em parceria em outro estado. O enfrentamento à epidemia do HIV sempre foi caracterizado pelas parcerias que sempre serviram de exemplo para outras lutas e outras causas.
O trabalho integrado entre as Secretarias de Estado da Saúde de Sergipe e da Bahia e Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, com o apoio da UNAIDS e Ministério da Saúde através do Departamento Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais foi de grande importância para a realização das ações durante a Copa do Mundo. Em segundo lugar, como médico, fiquei muito feliz em colaborar com o maior evento do mundo, cedendo a unidade móvel que criei em nosso estado. Foram mais de 2.000 exames realizados.
A minha participação pessoal, nos dias em que a equipe de Sergipe estava atuando, foi de ajudar na abordagem às pessoas que passavam próximo à nossa unidade móvel no Farol da Barra e, além de disponibilizar os preservativos, convidar para a realização do teste rápido para o diagnóstico do HIV. Nas abordagens, escutei diversos depoimentos importantes e também observei várias brincadeiras bastante criativas.
alguns depoimentos me chamaram mais atenção. Um deles foi a rejeição de algumas pessoas ao preservativo dizendo que “preferem fazer sexo na chapa”. Inicialmente, não estava entendendo, mas depois me esclareceram que “sexo na chapa” significa sem camisinha.
Cada região tem as suas denominações: uns dizem “sexo na jante” ou dizem que preferem sexo “carne com carne”, tudo significando relação sexual desprotegida, isto é, sem camisinha. Ficava bastante preocupado quando as pessoas afirmavam que faziam “sexo na chapa”, principalmente, quando se tratava de população vulnerável. Conversei com alguns técnicos que estavam no aconselhamento e nas entrevistas na hora do exame e a preocupação aumentou: entre os que fizeram o teste, alguns relataram, principalmente, os homens que fazem sexo com homens, terem até 20 parceiros em um mês e, nem sempre usavam ou exigiam o preservativo. Tal comportamento é considerado de risco. E as pessoas demonstram que não percebem o risco que correm ou preferem o “pensamento mágico” de achar que a AIDS não vai acontecer elas e sim com as outras pessoas. Ouvindo tais depoimentos, penso como vai ser difícil zerar novas infecções pelo HIV nos próximos anos. Há um grande desafio pela frente, envolvendo, gestores, organizações não governamentais e também a própria sociedade. No Brasil, antigamente a queixa era de que não era fácil o acesso ao preservativo.
Hoje o preservativo está disponível com facilidade. Também existia a outra queixa de falta de acesso ao tratamento e aos testes de diagnóstico para o HIV. O teste já está disponível em muitos municípios. O tratamento também está disponível. Mas continuamos ouvindo que, mesmo com a camisinha na mão, preferem “sexo na chapa”.
Sabemos que a decisão de usar ou não a camisinha é de cada um. As ações de divulgação da importância do uso do preservativo estão disponíveis em vários municípios brasileiros. Alguns culpam os Governos de que não faz campanha. As campanhas sensibilizam mas não mudam de comportamento. E por que tem tanta gente, mesmo sabendo da gravidade que representa a infecção pelo HIV, ainda prefere o “sexo na chapa” ou “carne com carne”? É uma preferência que pode ser perigosa não só para si como para os outros.
A responsabilidade da prevenção deve ser de cada um. O trabalho de oferta do teste durante os jogos da copa do mundo mostra o que eu já sabia: as pessoas querem fazer o teste e, em muitos casos, precisam apenas de oportunidade e de uma maior facilidade de acesso, sem tantas exigências e burocracias.