Fadiga do material

“É possível que a um homem de cem anos nasça um filho?” A pergunta é do centenário Abraão, quando Deus lhe disse que ele faria um filho com Sara, então com 90 anos. Eles não acreditaram, mas foi possível, claro. E conceberam a Isaac, que antecedeu o que viriam a ser os povos judeu e cristão. Antes, como a mulher era estéril, Abraão havia feito um filho com a escrava Agar, chamado Ismael, que antecedeu o que hoje são os muçulmanos. O mesmo Abraão originou as três grandes religiões monoteístas. Na Bíblia e, mais de perto, no Gênesis, os milagres são não somente possíveis, como necessários. Mas na vida real…


A introdução vem a propósito de João Alves Filho, como os minimamente perspicazes ou maldosos já perceberam. Após dois baques eleitorais consecutivos, em ambos derrotado no primeiro turno, poderá ele ainda dar fruto? Alquebrado pelo peso da idade, carregando nas costas todos os problemas pessoais que o afligem — que não é necessário repeti-los —, ressurgirá das cinzas, como, aliás, já o fez, sabendo-se que o fardo agora é bem maior?

 

“Não se deseja a morte de ninguém”, esquivou-se de responder o governador Marcelo Déda, fugindo da já clássica dúvida “João está politicamente morto?” Indagação, aliás, que tem movido muitas e animadas rodas de conversas pós-eleitorais. Pois é, não se deve tripudiar do adversário, ainda que seja o mesmo que menosprezou o próprio Déda, reduzindo-o a um menino, e endereçou uma grosseria ao deputado federal Jackson Barreto, chamando-o de urubu gay.

 

João era a tábua de salvação de um grupo que já foi muito poderoso, mas que não soube preparar seu sucessor político. Chegou um dia a fazer o único governador do PFL, quando todo o Brasil escolheu governadores do PMDB. Em 2000, quando se firmou a ascensão do grupo liderado por Marcelo Déda, e este se elegeu prefeito de Aracaju, o PFL de João havia elegido 18 prefeitos no interior e outros tantos permaneciam solidários a ele. E apesar da forte presença política do então governador Albano Franco, que fez a maioria dos mandatários municipais.

 

Na apuração das urnas em 2004, já governador em terceiro mandato, João mantinha pelo menos 40 prefeitos aliados ou sob sua influência. Déda já saiu daquele pleito como o nome mais credenciado a eleger-se governador em 2006, mas, ainda assim, o PFL havia feito 27 prefeitos. Segundo cálculos desta coluna (dia 10 de outubro de 2004), foi ali que o eleitorado sergipano rachou meio a meio: os aliados de João haviam conquistado mais de 487 mil votos e a oposição quase 503 mil. Agora, Déda terá pelo menos 61 prefeitos na base aliada — segundo cálculo minucioso do secretário de Assuntos Políticos, Jorge Araújo.

 

Em 2004, João ainda era forte, mas a fadiga do material já se tornara perceptível. A quebra era irreversível. Fadiga do material é uma expressão bem ao gosto da engenharia e significa que o metal perde resistência devido ao esforço repetitivo. Com o tempo e uso constante, o material se rompe. Na política também se perde a têmpera, há o desgaste, há a ascensão e a queda. É natural, acontece com todos os políticos — a não ser que a trajetória seja bruscamente interrompida com ele ainda no auge da carreira. Ou que um evento bíblico aconteça. Mas os milagres não têm acontecido muito ultimamente.

 

Prefeitos eleitos por partido em Sergipe

Partido

Eleição de 2000

Eleição de 2004

Eleição de 2008

PMDB

15

6

13

PDT

1

3

11

PSB

3

4

10

PSC

0

0

9

PT

2

4

7

DEM (antigo PFL)

18

27

6

PR (antigo PL)

2

6

6

PTB

0

8

5

PSDB

22

5

2

PC do B

0

0

2

PPS

10

5

1

PT do B

0

3

1

PP (antigo PPB)

2

2

1

PRB

1

Municípios indefinidos

0

2

0

 

A equação 2010

Nem parece que uma eleição acabou e os políticos já estão prontos para outra. Mais do que isso, já se lançam à próxima disputa. O deputado federal Jackson Barreto (PMDB), o segundo maior vencedor indireto do pleito cujas urnas ainda estão quentinhas — o maior vencedor indireto foi o governador Marcelo Déda (PT) —, a pretexto de desautorizar um comentário infeliz, já anunciou: é candidatíssimo a senador daqui a dois anos.


O discreto empresário Edvan Amorim, garantido na autoridade de quem foi o terceiro maior vencedor indireto, não perdeu tempo: seu irmão Eduardo Amorim (PSC), que graças a ele conseguiu a proeza de ser o deputado federal mais bem votado em 2006, também será candidato a senador.


Lembre-se que em 2010 haverá duas vagas do Senado em disputa por Estado e os
representantes de Sergipe que hoje ocupam essas cadeiras são os senhores senadores Antônio Carlos Valadares (PSB) e José Almeida Lima (PMDB). Este, depois da lavada que sofreu na disputa pela Prefeitura de Aracaju, despencou nas bolsas de apostas da condição de azarão para quase completamente descartado. Se restava a Almeidinha a chance de disputar a Câmara Federal, agora, se muito, a Assembléia Legislativa.


E quanto a Valadares? Também um dos grandes vencedores indiretos deste pleito, ele ainda é o favorito a manter-se no cargo que lhe parece vitalício, pois está no segundo mandato, ambos conseguidos com vitórias expressivas, ambas como primeiro mais votado.


E não se pode esquecer que outros dois ex-senadores estão no páreo: Albano Franco (PSDB), também ex-governador, hoje deputado federal, agora aliado de Marcelo Déda e certamente um dos políticos com mais prestígio fora de Sergipe; e José Eduardo Dutra (PT), ex-presidente da Petrobras, hoje presidente da Petrobras Distribuidora e que sempre foi bem votado nas disputas majoritárias.


Portanto, se formos considerar assim, já há seis pretendentes às duas vagas do Senado que estarão em disputa em Sergipe. E João Alves (DEM), não seria um pretendente também? E como esquecer Maria do Carmo (DEM)?


A turma do PDT, que também se saiu muitíssimo bem, não quer ficar para trás e já está botando nas ruas os blocos de Ulices Andrade e Bosco Costa como eventuais componentes da chapa majoritária encabeçada por Marcelo Déda, lembrando-os como boas opções para vice-governador. E Belivaldo Chagas (PSB)? Como se vê, Marcelo Déda tem em mãos uma salutar, mas complicadíssima, equação para resolver.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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