Foi preciso uma década, mas o Supremo Tribunal Federal finalmente botou ordem no coreto. Com a decisão recente que reconhece a validade da Lei Complementar 255/2015 de Sergipe, que proíbe a incorporação de cargos comissionados à aposentadoria de servidores, o Judiciário desenrola um nó que há anos asfixiava os cofres públicos e zombava da lógica da moralidade administrativa.
A farra era silenciosa, mas vultosa. Durante anos, cidadãos que ingressavam em cargos básicos, merendeiras, faxineiros, auxiliares, por meio de concurso, encontravam atalhos para cargos de confiança. Nada contra a ascensão funcional, desde que por mérito e função compatível. O problema é que, muitas vezes, o “plano de carreira” era menos sobre trabalho e mais sobre sobrenome. O que começou como exceção para servidores antigos e dedicados virou brecha, e depois virou rombo.
O mecanismo era simples: servidores comissionados, muitos oriundos das castas mais altas do Estado, migravam de cargo em cargo, acumulando funções de confiança. Ao fim da linha, com tempo de serviço e a lei ao seu favor, incorporavam essas vantagens salariais à aposentadoria. O resultado? Um Estado empobrecido sustentando ex-servidores com salários de elite, em funções que, muitas vezes, sequer foram exercidas de fato.
A decisão do STF é importante por três razões. Primeiro, reconhece a autonomia dos estados em legislar sobre seus regimes de servidores, desde que dentro das balizas constitucionais. Segundo, resgata o princípio da moralidade ao barrar manobras de autopromoção funcional. Terceiro e talvez mais relevante, sinaliza que a esperteza institucionalizada tem prazo de validade.
É evidente que haverá gritaria. Muitos que incorporaram vencimentos com base nessa estrutura agora verão seus contracheques emagrecerem. Há também aposentados que, com a retroatividade da decisão, podem ser impactados diretamente. Mas a Justiça, quando legítima, não pode ser moldada pela conveniência da elite. O interesse público prevalece.
Essa decisão, ainda que técnica, tem dimensão simbólica. Ela desafia o velho modelo patrimonialista onde o serviço público serve à família e não à função. Onde o concurso é trampolim e não porta de entrada. Onde o cargo de merendeira é só fachada para uma aposentadoria de 20 mil.
Se há algo a ser aprendido aqui, é que o Estado precisa voltar a ser do povo, não dos sobrenomes que o usam como herança. Concursos públicos não são e não devem ser ferramentas para garantir rendas vitalícias a quem já parte da frente. São instrumentos de acesso justo, mérito real e prestação de serviço efetiva.
A moral da história é dura, mas necessária: quem entrou pela porta do serviço público deve cumprir sua jornada, não trapacear o percurso. E quando o Judiciário reconhece isso, não apenas faz Justiça: ele resgata o respeito.
O editorial de hoje não é apenas sobre uma lei mantida. É sobre um ciclo que precisa se encerrar. Que essa decisão do STF seja o ponto final no capítulo mais silencioso e mais caro da hipocrisia institucionalizada. Porque o Brasil, cansado de sustentar castas travestidas de servidores, precisa lembrar que Justiça também é colocar cada um no lugar que lhe cabe, inclusive na folha de pagamento. Porque mérito não se incorpora. Se conquista.
Vide: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-mantem-validade-de-lei-de-sergipe-que-proibe-incorporacao-de-adicionais-por-cargos-de-confianca/