Na primeira noite, eles censuraram uma piada. E a gente não disse nada. Na segunda, condenaram o comediante. A gente até comentou, mas seguiu o baile. Na terceira, silenciam os portais, intimidam os jornalistas e algemam os artistas. Aí já é tarde demais.
Estamos assistindo ao vivo, e calados, o assassinato da liberdade de expressão no Brasil. O caso Léo Lins não é só sobre piada. É sobre liberdade. É sobre censura. É sobre o Estado metendo o pé na porta do teatro e dizendo: “engraçado agora é o que eu mandar”.
Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses de prisão. Oito. E quase de 2 milhões de reais em multas e indenizações. O crime? Fazer humor. Enquanto isso, o país assiste quieto a políticos que desviam milhões do INSS, superfaturam respiradores, escondem verbas de merenda e recebem apenas… diárias. Ou, pior: são premiados com reeleição. E isso tem nome: inversão completa dos valores morais.
Quer um retrato fiel dessa inversão? Léo Lins, por piadas, muitas de mau gosto, sim, foi condenado como se fosse um criminoso hediondo. Já MC Poze, com letras recheadas de apologia a tráfico, misoginia e ostentação criminosa, é ovacionado, patrocinado e endeusado nas redes sociais. O humorista foi encarcerado por palavras. O funkeiro é celebrado por ostentar armas, drogas e crimes e ganha milhões de seguidores e contratos. Se isso não é a ponta do iceberg da inversão moral do Brasil, nada mais é.
Na república da hipocrisia, quem sobe num palco pra contar piada é preso. Quem sobe num palanque pra roubar o povo, é aplaudido.
Quem zomba da tragédia no microfone é algemado. Quem lucra com a tragédia alheia no orçamento público, ganha medalha.
A juíza Bárbara de Lima Izep, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, achou razoável aplicar uma pena maior a um humorista do que a um homicida. Isso mesmo. Um comediante condenado a mais anos de cadeia do que estupradores, agressores e alguns chefões do tráfico. Isso não é justiça. Isso é revanche ideológica vestida de toga.
E aí você liga a TV e vê tratativas do governo brasileiro com a China para “moderar” as redes sociais. Sim, China. O país onde piada é punida com bala e desaparecimento. É essa referência que queremos importar? Em nome de uma moral artificial, o Estado agora quer decidir o que você pode ver, falar, escrever e até rir. É o fim da linha democrática.
Enquanto isso, ninguém foi preso pelo escândalo do INSS. Aliás, quem devolveu o dinheiro, ficou solto e ainda levou o troco do povo. O humorista, esse sim, virou ameaça nacional. E se você acha que está longe, pense de novo.
Hoje é o Léo. Amanhã é você, que compartilhou um meme. Depois, um jornalista. Depois, um portal. Ninguém está a salvo quando o Estado decreta que pensamento fora da curva é crime. A classe artística, da esquerda (uma parcela é óbvio) à direita, está em luto. Revoltada. E silenciosa. Com medo. Porque sabem que o recado foi dado: “ou você cala ou será calado”.
E não venha você querer desviar o assunto dizendo “mas as piadas dele são ruins”. Isso não importa. O que está em jogo não é o gosto. É o direito de existir. Você pode vaiar, criticar, cancelar, ignorar. Mas prender? Prender por piada é rasgar a Constituição com uma caneta suja de autoritarismo.
Como dizia Millôr Fernandes: “O humor é a única maneira inteligente de dizer a verdade sem ser chato”. E agora, querem criminalizar a verdade porque ela incomoda. A história já deixou o alerta. O poema de Maiakovski virou roteiro: “Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.”
Hoje, arrancaram o riso. Amanhã, será sua voz. E o mais triste: ainda vai ter gente aplaudindo. Por ignorância, covardia ou conveniência. Não se trata de Léo Lins. Trata-se de saber até onde você está disposto a abrir mão da sua liberdade para manter o silêncio confortável. Se você só defende a liberdade para quem pensa como você… isso não é liberdade. É tirania com filtro de Instagram. Como estão dizendo a classe artística: ”Tudo bem vaiar. Mas é covarde condenar”.