Felizmente, o feminismo existe!

Recentemente foi lançado o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, uma ferramenta importante que traz, de maneira ampla, informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, Tesouro Nacional, polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública. Gostaria de destacar uma parte do denso documento, que aponta os gráficos de dados estatísticos sobre as tentativas e estupro. De acordo com o documento, houve um aumento considerável, nos últimos anos, de violência sexual contra as mulheres. Diante disso, é necessário pontuar algumas coisas para que, de repente, as pessoas repensem a sua maneira de enxergar o corpo da mulher como propriedade do Estado ou de todos, menos dela mesma.

 

Quando pensamos na dominação masculina, a obra de Pierre Bourdieu destaca a dominação do homem sobre a mulher como exercida por meio de uma violência simbólica, compartilhada inconscientemente entre dominador e dominado, que só pode ser percebida e compreendida se estivermos atentos aos efeitos que a ordem social exerce sobre essas pessoas. O autor acrescenta que é através da construção social das relações que é determinado à mulher, papel este que é definido segundo os interesses masculinos, o papel de subserviência, e que desenvolve a denominada violência simbólica como um ato sutil, ocultando as relações de poder que compõem toda a estrutura social.

 

É claro que ao longo dos anos, muito se modificou em relação à história e ao papel da mulher enquanto ser subserviente da figura masculina. As diferenças entre homens e mulheres eram reforçadas, comprovadamente, pelas diferenças culturais e não biológicas que eram apresentadas em cada sociedade. E foi a partir do surgimento das chamadas ondas do feminismo, que a palavra gênero passou a ser usada, e principalmente, seu uso comprovou que a questão central que norteia a relação entre homens e mulheres é a relação baseada no poder de um sobre o outro, neste caso, do poder do homem sobre a mulher, e, portanto, o empoderamento feminino, para muitos homens, significa perder o poder de dominação. Porém, como escreveu Foucault, onde há poder, há resistência.

 

Quando as relações de poder ultrapassam a esfera da intelectualidade, em que os espaços passam a equiparar-se, voltamos à barbárie da dominação através dos corpos, ou seja, a violação da única coisa que pertence de fato a você mesma, não está sob o seu domínio, escolha e consentimento. Por isso, o estupro é a forma mais violenta de dominação, a mais cruel, porque retira completamente o poder sobre si, de não querer ter o seu eu invadido, controlado e subjugado pelo outro.

Violência sexual é crime

Devo ressaltar que, de acordo com o Código Penal,  LEI Nº 12.015, DE 7 DE AGOSTO DE 2009., o Art. 123 diz: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos”. Porém, mesmo com a nitidez da lei, a justiça ainda arranja lacunas e escapes para justificar os crimes de violência sexual, sobretudo quando os agressores fazem parte do círculo de convivência da vítima ou exercem cargos de alto poder.

 

Um dos exemplos recentes foi o da blogueira Mariana Ferrer, que apesar de sofrer inúmeras violências, além da sexual, provando que foi violentada pelo empresário André Aranha, teve que lidar com a absolvição do acusado por “falta de provas que comprovem o crime”. Há ainda quem questione por que é tão difícil para as mulheres, vítimas de crimes sexuais, denunciar os atos de violência. A resposta é simples: porque a justiça e a sociedade não as acolhem, não as ampara, ao contrário, procuram sempre uma justificativa para que os homens permaneçam exercendo de maneira torpe e cruel, o direito a violar o corpo de qualquer mulher, sem que haja punição.

 

Além da justiça, a sociedade só recrimina o estupro quando este pode prejudicar a economia, ou seja, quando há pressão popular, boicotes que levem à perda de lucros, a exemplo de um time de futebol que contrata um estuprador devidamente condenado em outro país, o jogador Robinho, condenado em 2017 a 9 anos de prisão por crime sexual. Eu poderia escrever várias páginas para falar sobre isso, mas termino esse texto, deixando com vocês, as imagens do Anuário da Segurança Pública, ressaltando que, além desses dados, há ainda os  inúmeros casos subnotificados, em que as mulheres têm medo de denunciar, ou quando acabam tirando as suas vidas por não aguentar mais a constante violação do seus agressores, e de uma sociedade conivente com a violência contra a mulher.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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