FERNANDO FREYRE

A notícia da morte repentina de Fernando Freyre causou forte impacto no Recife, ecoou pelo Brasil e pelos países que conheceram de perto o trabalho das Fundações Joaquim Nabuco e Gilberto Freyre, às quais deu sua inteligência, habilidade, capacidade de trabalho, dedicação em tempo integral, enfim deu a própria vida. É certo que sua alegria já não era a mesma, depois de sair da presidência da Fundação Joaquim Nabuco, mas ninguém imaginava que sua resistência estava minada e seu corpo poderia sofrer os rigores das pressões. Morreu cedo, completamente válido, e deixou um vazio difícil de ser preenchido.

 

Fernando Freyre viveu permanentemente sob o peso de muitas responsabilidades, a primeira e maior delas a de ser filho de Gilberto Freyre, que ele, sabidamente, soube contornar ao definir muito bem seu campo de trabalho, como administrador. Cada um com seu talento, o de Gilberto destinado a interpretar a formação dos brasileiros, o de Fernando a realizar, na prática, os sonhos do pai, no dizer recifense dos amigos. Fernando Freyre dedicou praticamente a vida a fazer do Instituto, depois Fundação Joaquim Nabuco um centro de excelência em pesquisa, reflexão, interpretação do Brasil, um fórum avançado de produção de saber, espécie de academia livre, com sua ação, através dos organismos internos, seus contatos, convênios, parcerias com entidades nacionais e estrangeiras, sua memória em livros, revistas, discos, CDs, DVDs, que dão continuidade à causa abraçada.

 

Fernando Freyre numa mesa do Colóquio Antero de Quental, na Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, ladeado por José Esteves Pereira, presidente do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, de Lisboa, e por Luiz Antonio Barreto, do Instituto Tobias Barreto de Sergipe
Foi Gilberto Freyre quem levou a Câmara Federal, quando deputado, a idéia de criar uma entidade voltada ao estudo do meio nordestino, relações de trabalho, vida social. Uma idéia amadurecida nos embates intelectuais, ao lado de Ulisses Pernambucano de Melo, Renê Ribeiro, e de outros que visitaram os Estados nordestinos e sentiram de perto as condições de sobrevivência da população trabalhadora, grande parte dela dependente da monocultura da cana-de-açúcar. O grupo esteve em Sergipe, travou contato com Garcia Moreno, José Calasans, Orlando Dantas, Teotonilo Mesquita e com outros, em Aracaju, durante a Reunião da Sociedade de Neurobiologia, em 1941. O projeto de Gilberto Freyre, convertido em lei em 1949, consolidava uma aspiração surgida no debate sobre o Nordeste.


Instalado no Recife, o Instituto, que tomou o nome de Joaquim Nabuco em homenagem pelo centenário de nascimento do abolicionista pernambucano, foi aos poucos ganhando espaço e visibilidade, contando com direções lúcidas e competentes, como a do poeta Mauro Mota. Fernando Freyre acompanhou Gilberto Freyre nas andanças pelo Instituto Joaquim Nabuco e terminou como funcionário da casa, assumindo sua direção e realizando a transformação para Fundação Joaquim Nabuco, em 1980. Com uma estrutura leve, de institutos para a pesquisa, para a documentação, para a informática e outras tecnologias, para as artes vivas, complementados com serviços essenciais, como o de microfilmagem, que salvou do descaso dezenas de coleções de jornais, dentre eles o Diário de Pernambuco, que é o mais antigo da América Latina, em circulação atualmente, a Fundaj deu muitos exemplos de como pode o Poder Público servir ao País e à sociedade. Muitos outros instrumentos deram a Fundação Joaquim Nabuco uma posição destacada e respeitada, ao longo de seus 56 anos de existência.

 

Na última viagem a Aracaju, no Auditório do Memorial de Sergipe, da Universidade Tiradentes, Fernando Freyre apareve entro o professor José Lima Santana, da UFS e da Unit, de Sergipe, e da professora Ana Maria Moog Rodrigues, da Universidade Gama de Filho, do Rio de Janeiro, durante o Colóquio Antero de Quental
Mesmo sendo um órgão de Governo, vinculado hoje ao Ministério da Educação, a Fundação Joaquim Nabuco não esperou, passivamente, pelos recursos mensais da sua sobrevivência. Ela instrumentalizou-se e passou a vender serviços, firmar convênios, formar parcerias, atuando em duas regiões, a do norte, e a do nordeste, integrando-as. Seus Museus do Homem do Norte, em Manaus e do Homem do Nordeste, no Recife, suas Galerias, seu teatro, seus Auditórios, suas salas de reuniões, sua Editora Massangana, sua área de produção de vídeos, tudo soma no sentido de fazer da Fundação Joaquim Nabuco uma instituição sem similar no Brasil. Fernando Freyre era a vida e a alma da Fundaj, seu nome uma referência, até ser dispensado, em 2003. A habilidade de atravessar a história política do País sem deixar respingar interesses sobre a instituição, acabou com sua exoneração.

 

Fora da Fundaj, Fernando Freyre tomou o rumo de Apipucos, instalando-se no Solar de Santo Antonio, para presidir a Fundação Gilberto Freyre, entidade que criou em 1987, para reunir, guardar os livros próprios e toda a bibliografia de referência, os papéis, as obras de arte, enfim tudo o que era e representava o mestre. A criação da Fundação Gilberto Freyre foi um grande gesto de despreendimernto da família liderada por Fernando, abrindo mão dos bens, dos direitos autorais, de tudo o que incidia em favor da obra gilbertiana, para que o Recife ganhasse uma nova entidade, e com ela pudesse levar adiante propósitos culturais claros.

 

Depois de perder o pai, ainda em 1987, Fernando perdeu Madalena, 10 anos depois, a mãe solidária e administradora da Fundação Gilberto Freyre. A irmã Sonia assumiu a presidência, passando depois a presidir o Conselho Diretor da entidade, deixando o lugar de presidente para Fernando Freyre, enquanto a Superintendência passou a contar com a juventude de Gilberto Freyre Neto. Para ações sociais, a Fundação Gilberto Freyre tinha em Cristina Freyre uma vocação e uma ativa participação. A morte de Fernando Freyre surpreendeu a todos, especialmente aos que têm dado vida a Fundação Gilberto Freyre, auxiliando-o na realização de todos os sonhos do autor de Casa Grande & Senzala e de outros clássicos.

 

Administrador e advogado, conselheiro de cultura, integrante de diversas entidades sociais e culturais, conhecido e admirado em todos os Estados do norte e do nordeste, homem do Brasil, com braços longos no relacionamento internacional, Fernando Freyre deixa, também, uma obra de gestor, livros que registram fases importantes da Fundação Joaquim Nabuco. Morre o maestro, fica a orquestra em silêncio, enlutada, carpindo a dor da tristeza, da falta e da saudade. Grande pernambucano, grande nordestino, grande brasileiro, Fernando Freyre era verdadeiramente um cidadão do seu tempo e da cultura, que levou Pernambuco a falar para o mundo, como era do rico imaginário pernambucano.

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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