Flos Sanctorum (III)

O Flos Santorum trata das idades do mundo, desde Adão até o nascimento de Jesus Cristo. Em cada uma delas predomina uma visão do mundo, um código disciplinar, um conjunto de pecados que as nações cristãs transformaram, nas jornadas do tempo, em leis e em condutas éticas. A radicalização religiosa impôs, muitas vezes e por muito tempo, confrontos que ainda hoje repercutem na cultura dos povos, como as lutas entre cristãos e mouros, durante séculos, que tiveram na intolerância o oposto das misericórdias pregadas pelos Concílios e pelos doutores e exegetas da Igreja. Misericórdias que combinariam com as virtudes cardeais e teologais, umas a Justiça, a Prudência, a Fortaleza e a Temperança, outras popularizadas como Fé, Esperança e Caridade, mas que não harmonizariam as doutrinas e as práticas entre os devotos.

Alonso Villegas divide a história humana em seis idades: a 1ª, que começa com Adão e chega até Noé; a 2ª que começa com Noé, após o dilúvio; a 3º que começa com Abraão; a 4ª que começa no tempo de Moisés; a 5º que começa no quarto ano do reinado de Salomão e a 6ª que começa pouco depois da morte de Tobias e dura até o advento em carne (nascimento) do filho de Deus, aos olhos do mundo. Cada ponta dessa cronologia está fortalecida pelas circunstâncias narradas no Velho Testamento, que põe nítidas as regras fundantes da moral cristã, disseminadas com a vida, a paixão, a morte de Jesus e a saga dos seus apóstolos e seguidores, em mais de dois milênios de história. A linguagem atualizada de hoje, portanto, não anula as bases religiosas das quais o Flos Sanctorum é uma tentativa de propaganda exemplar, sendo mesmo escrito para cumprir com esse papel pedagógico, que precedeu a leitura bíblica.

Como se trata de um livro em vários volumes, escrito separadamente, o Flos Sanctorum faz a tentativa de intermediar o Velho e o Novo Testamento, recuperando biografias perdidas, de santos considerados menores na hierarquia dos créditos envoltos na fé. No volume considerado publicado em Barcelona  em 1775, composto de um ano cristão de celebrações, a vida de Jesus e dois apêndices, um com os santos espanhois e o outro com biografias de santos marginalizados, considerados extravagantes. Nesta parte, Villegas estabelece 12 capelas, que é o anuário devocional, e põe lá as biografias, bem fundamentadas, dos seus santos, sem a preocupação de estabelecer dias consagrados, de festa.

As 12 capelas são as seguintes: Capela da Santa Paz, composta pela Santa Maria Egipciaca, Santa Catarina de Siena, os 7 Dorminhocos (tradução livre do  espanhol durmientes), e Santa Brígida; Capela da Divina Graça, com São Longinos, São Justino, São Epifânio e São João Damasceno; Capela do Santo Sepulcro, composta por Santo Acácio, Santa Eugênia, Sãnto Irineu e São Romão; Capela da Divina Palavra, com Santo Antonino, São Patrício, Santo Ananias e São Cornélio; Capela do Sono, formada por São Tirso, Santos Julião e Basilisa e São Malco; Capela do Amor Divino, com Santa Teodora, São Martiniano e Santa Pelagia; Capela de Nossa Senhora da Solidão, com São Simeão Estilita, Santa Eufrásia e Santos Barlaam e Josafá; Capela do Santo Mistério com Santa Teodora (outra) São Ginês e São Ponce; Capela da Anunciação, dos santos São Nicásio, Crispim e Crispiniano, São Cirilo Jerosilimitano; Capela dos Anjos, com São Bruno, Santa Isabel da Hungria e São Bernardino; Capela da Coversão, formada por Santo Antonino (outro), Santo Inácio de Loiola, Santo Eusébio; e a Capela da Divina Glória, com São Simão de Rocha, Santa Tereza e Santo Isidro.

O que pretendia Alonso de Villegas era compor uma mitologia cristã, reconhecendo, contudo, que as vidas pobres e tristes que ele narrou não conduziram à realização do seu propósito. O caráter exemplar do Flos Sanctorum prevaleceu, rompeu o tempo e pode, ainda hoje, servir de parâmetro comparativo, como fonte moral da Igreja, em sua história de antes e de depois de Jesus, uma história de santos, mártires, beatos, eremitas, homens afastados do convívio familiar e social, atraídos pelo ideal da vida santa.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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